SÍNTESE CRIMINAL
Mendonça, a guinada garantista de Nunes Marques e as liminares em habeas corpus
28ª Edição – 03.12.2021
Confira os principais pontos do Compilado Criminal de hoje:
1- O réu pode ser obrigado a custear o monitoramento eletrônico?
2- Sobre casos absurdos que chegam às supremas cortes…
3- Liminar em habeas corpus deferida para revogar a preventiva de paciente preso com mais de 08kg de drogas
4 – Liminar deferida com superação da Súmula 691
5- Dizer que a receptação fomenta outros crimes não é suficiente para aumentar a pena
6- Fato de droga apreendida conter nome de facção na embalagem não é capaz de comprovar, por si só, que réu pertence a organização criminosa
7- Quinta Turma do STJ mantém decisão que revogou a prisão preventiva de réus presos com mais de 1kg de drogas
8- Celebração de acordo de não persecução penal não impede impetração de habeas corpus
9- Ministro Ribeiro Dantas anula julgamento de recurso em sentido estrito em que tribunal, sem intimar a defesa, decretou a prisão preventiva de réu acusado por homicídio e outros crimes
10- Habeas corpus pode ser concedido para determinar a realização de corpo de delito em flagranteado que apanhou da Polícia
11– Fato do réu ‘ser conhecido do meio policial’ não autoriza a não aplicação do tráfico privilegiado, decide STF
12- Pena no homicídio não pode ser aumentada sob o argumento de que o réu tinha conduta violenta com a companheira, decide 2ª Turma do Supremo
13- É UM MILAGRE? Nunes Marques concede habeas corpus para revogar a prisão preventiva de um réu preso com 100g de drogas em São Paulo
14- Ministro Nunes Marques supera Súmula 691 e concede habeas corpus para determinar que Lei Anticrime retroaja no estelionato
Olá, tudo bem?
Como já era previsto (e inclusive repercutido por nós no relatório da semana passada e há meses no instagram), André Mendonça é o novo ministro do Supremo Tribunal Federal.
Apesar das inúmeras análises que pipocaram nos últimos dois dias, no entanto, pouco se especulou sobre a atuação de Mendonça no que tange, especificamente, à área criminal, que toma conta de boa parte dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal.
O que esperar de André Mendonça na seara criminal, então?
A verdade é que inexiste, por enquanto, uma base sólida de dados que nos permita arriscar, com alguma chance de êxito, um palpite.
André, como você provavelmente sabe, disse que ‘assumiria’ um compromisso com o garantismo. Nos bastidores, no entanto, esse suposto posicionamento é extremamente questionado, já que Mendonça (que inclusive foi ressaltado pelo ex-juiz Sérgio Moro no Twitter) sempre foi um fã dos trabalhos da Lava Jato.
Mas toda essa celeuma tem um ponto ainda mais delicado. A Imprensa brasileira tem o hábito de associar, em quase todas as matérias, o termo “garantismo” a uma suposta leniência que ministros como Gilmar Mendes, Lewandowski e Dias Toffoli capitaneariam no Supremo
Assim, torna-se impossível constatar, quando discussões sobre ‘garantismo’ são lançadas, se estamos falando verdadeiramente de Ferrajoli ou de uma mera espécie de eufemismo.
Só saberemos se André seguirá a cartilha de Nunes Marques (que prometeu garantismo e tem entregado um punitivismo mais do mesmo) a partir do ano que vem, já que sua posse está marcada para o dia 16 de dezembro, um dia antes do recesso forense.
Alguns tem dito que o mais novo ministro pode surpreender, adotando um posicionamento realmente garantista.
Tomé, diante da afirmação dos outros discípulos, que diziam ter visto Cristo ressurreto, disse: “se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o meu dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei.” (João 20:25).
Em relação à possibilidade de aparição de um André Mendonça Garantista no Supremo, agiremos, pelo menos por ora, como Tomé. Se não virmos o sinal em suas decisões e não pusermos nossos olhos sobre elas, de maneira nenhuma creremos.
O primeiro teste para Mendonça será o julgamento da ação que discute a possibilidade de detentas transexuais e travestis optarem por cumprir pena em presídios masculinos ou femininos.
O caso foi suspenso pelo ministro Fux após empate em 5 a 5.
Aguardemos.
Vamos às decisões de hoje!
O réu pode ser obrigado a custear o monitoramento eletrônico?
O ministro João Otávio de Noronha concedeu um habeas corpus para afastar a obrigação de custeio dos aparelhos de monitoramento eletrônico imposta ao réu por um juiz do Paraná.
Noronha observou que o STJ sequer poderia analisar a pretensão defensiva, já que o habeas corpus foi impetrado como substitutivo de recurso ordinário constitucional.
Não obstante, o ministro julgou ser caso de concessão de ofício, já que o juízo de primeiro grau havia fixado medidas cautelares diversas da prisão determinando que o paciente arcasse com o custeio do equipamento (fixado em R$ 3.529,68).
A orientação do STJ é firme no sentido de vedar a determinação que o acusado seja compelido a arcar com valores correspondentes à manutenção do monitoramento eletrônico, seja pelo fato de inexistir previsão legal que autorize a referida medida, seja porque a admissão de tal condicionante da cautelar inviabilizaria a própria concessão do benefício em detrimento da prisão cautelar, o que caracteriza nítido constrangimento ilegal hábil a justificar a concessão da ordem em favor do paciente
Sobre casos absurdos que chegam às supremas cortes…
O ministro Noronha também revogou a prisão preventiva de um homem acusado pelo furto de uma vassoura e duas escovas em São Paulo.
Na decisão, ele adotou o parecer do Ministério Público Federal, que ressaltou a mínima ofensividade da conduta do réu, além da inexistência de periculosidade social da ação.
O ministro também observou que além do crime não ter sido cometido com violência ou grave ameaça, os bens furtados ainda foram recuperados e devolvidos à vítima, demonstrando, assim, a ausência de razoabilidade da prisão preventiva.
Liminar em habeas corpus deferida para revogar a preventiva de paciente preso com mais de 08kg de drogas
A ministra Laurita Vaz, da Sexta Turma, deferiu uma liminar em habeas corpus para, até o julgamento final do writ, suspender os efeitos da condenação de um homem sentenciado à pena de 05 anos e 06 meses em virtude da apreensão de mais de 08kg de maconha em Goiás.
No habeas corpus, que foi impetrado em substituição ao recurso especial, a ministra ressaltou que o ingresso forçado na residência do paciente estava apoiado em denúncias anônimas recebidas pelos policiais.
Esse, inclusive, é um padrão da ministra Laurita, que tem concedido liminares em HC quando observa a possível existência de invasão de domicílio.
Liminar deferida com superação da Súmula 691
O ministro Antonio Saldanha Palheiro deferiu uma liminar em habeas corpus para revogar a prisão preventiva de um réu acusado pelo crime de ‘embriaguez ao volante’.
No writ, que foi concedido com superação da Súmula 691, a defesa sustentou que o paciente se encontrava custodiado tão somente em razão de não possuir condições de adimplir a fiança estipulada.
Palheiro observou que o fato de o paciente permanecer preso – não obstante a soltura condicional que lhe foi deferida em 21/11/2021 –, demonstraria a sua hipossuficiência, já que não parecia crível que ele optasse por permanecer privado da liberdade se possuísse meios de adimplir a fiança fixada.
Dizer que a receptação fomenta outros crimes não é suficiente para aumentar a pena
Ainda na Quinta Turma, o desembargador convocado Jesuíno Rissato, concedeu um habeas corpus substitutivo de recurso ordinário para reduzir a pena de um réu condenado por receptação em São Paulo.
Jesuíno observou que o aumento foi efetuado a partir da mera descrição genérica a respeito da gravidade em abstrato representada pelo delito de receptação, o que não é admitido pela jurisprudência do STJ.
Tem-se como evidente a violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, apta a configurar notória ilegalidade e justificar a concessão da ordem de ofício, disse.
Fato de droga apreendida conter nome de facção na embalagem não é capaz de comprovar, por si só, que réu pertence a organização criminosa
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal negou provimento a um recurso do Ministério Público que pretendia cassar um habeas corpus concedido pelo ministro Roberto Barroso.
Para o MP, o habeas corpus impetrado antes do julgamento do recurso ordinário no STJ sequer deveria ser conhecido.
No mérito, o órgão pugnou pelo restabelecimento da prisão preventiva, já que o réu havia sido preso com drogas cuja embalagem continha marca identificadora de facção criminosa, além de petrechos diversos.
A Turma manteve a decisão salientando que a prisão preventiva de paciente com 29 anos de idade, primário, preso preventivamente pelo tráfico de pequena quantidade de droga, é contraproducente do ponto de vista da política criminal.
Quinta Turma do STJ mantém decisão que revogou a prisão preventiva de réus presos com mais de 1kg de drogas
Segundo os autos, após buscas serem realizadas, policiais lograram êxito em localizar, dentro do carro em que os suspeitos se encontravam, duas barras de substância análoga à maconha, totalizando 1.011,79g de material entorpecente.
Para o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator da matéria, a apreensão de 1.011,79g de maconha com dois réus – ou cerca de 500g por agente, não poderia ser considerada significativa a ponto de justificar a prisão cautelar
Celebração de acordo de não persecução penal não impede impetração de habeas corpus
O ministro Ribeiro Dantas concedeu um habeas corpus substitutivo de recurso ordinário para reconhecer a atipicidade da conduta de um homem acusado por estelionato majorado em Goiás.
Segundo os autos, o paciente celebrou um acordo de não persecução penal com o Ministério Público após ter sido preso e acusado por vender uma passagem por R$ 4,50 (quatro reais e cinquenta centavos) utilizando seu passe livre ‘categoria deficiente’.
Ribeiro Dantas utilizou um precedente do Supremo Tribunal Federal para assentar a possibilidade da impetração de habeas corpus para discutir a atipicidade da conduta (e ausência de justa causa) mesmo após a celebração do acordo de não persecução penal.
Assim, o habeas foi concedido para reconhecer a atipicidade da conduta, anular o acordo de celebrado e arquivar a persecução criminal.
Ministro Ribeiro Dantas anula julgamento de recurso em sentido estrito em que tribunal, sem intimar a defesa, decretou a prisão preventiva de réu acusado por homicídio e outros crimes
Segundo os autos, após o juízo de primeiro grau indeferir o requerimento do Ministério Público para decretação da prisão preventiva do réu, o Tribunal de origem deu provimento ao RESE para decretá-la.
No habeas corpus, a defesa requereu o reconhecimento da ilegalidade do acórdão que deu provimento ao recurso em razão de cerceamento de defesa, já que não houve intimação ou habilitação do defensor nos autos, inviabilizando a realização de sustentação oral.
O ministro Ribeiro Dantas reconheceu o acerto da petição defensiva e salientou que a República Federativa do Brasil, fundada no princípio da dignidade da pessoa humana e na cidadania, consagra como garantia “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, […] o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV)”.
Assim, Dantas concedeu o HC para anular o julgamento.
Habeas corpus pode ser concedido para determinar a realização de corpo de delito em flagranteado que apanhou da Polícia
O ministro Sebastião Reis Júnior, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, determinou que um juiz providencie, em até 72 horas, a realização de exame de corpo de delito em um homem vítima de violência policial.
Segundo os autos, a vítima exibia marcas vermelhas em seu abdômen resultantes das agressões com tapas no rosto e socos no estômago desferidos pelos policiais que compunham as equipes responsáveis pela prisão em flagrante.
Após algum tempo, os policias militares teriam levado o homem a um posto médico, local em que permaneceram por cerca de uma hora e meia.
Além do exame, Sebastião Reis determinou que as medidas cabíveis fossem adotadas contra os policias responsáveis pelas agressões.
Fato do réu ‘ser conhecido do meio policial’ não autoriza a não aplicação do tráfico privilegiado, decide STF
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, negou provimento a um recurso do Ministério Público que pretendia reformar decisão do ministro Edson Fachin de determinar a aplicação do tráfico privilegiado ao processo de um réu acusado de por tráfico de drogas
Segundo o MP, a decisão deveria ser revista, já que, com o réu, – que, em tese, já era conhecido do meio policial – foram encontrados 400g de drogas, além de balança de precisão e outros petrechos.
Fachin, relator da matéria, observou que nem sempre a quantidade e qualidade da droga apreendidas indicam a dedicação do acusado à atividades criminosas e/ou pertencimento à organização criminosa.
“Como se vê, a quantidade de droga apreendida não é circunstância suficiente para inferir a dedicação habitual a atividades criminosas. Nem mesmo se acrescida das notícias de que o acusado era conhecido no meio policial”, definiu a Turma (à exceção de Nunes Marques).
Pena no homicídio não pode ser aumentada sob o argumento de que o réu tinha conduta violenta com a companheira, decide 2ª Turma do Supremo
O Ministério Público foi derrotado na 2ª Turma do Supremo ao requerer a reforma de uma decisão do ministro Fachin, que afastou a valoração negativa da personalidade do acusado realizada por um juízo de Santa Catarina.
Em um habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional (que é aceito pela Segunda Turma, vale ressaltar), os ministros observaram que a fundamentação adotada pelas instâncias antecedentes se baseou em afirmação especulativa, visto que não se lastreou em provas idôneas para se concluir que o agente teria personalidade violenta.
É UM MILAGRE? Nunes Marques concede habeas corpus para revogar a prisão preventiva de um réu preso com 100g de drogas em São Paulo
Essa decisão não teria tanta relevância assim se não fosse lavrada pelo ministro Nunes Marques.
Nosso garantista fake reconsiderou uma decisão anteriormente proferida para revogar a prisão preventiva de um réu supostamente preso com quase 100g de entorpecentes em São Paulo.
O ministro observou que os argumentos utilizado pelo juízo de piso (quantidade de droga apreendida e perigo de dano social) não são suficientes para evidenciar a gravidade concreta da conduta do paciente.
Assim, deu provimento ao recurso em habeas corpus para revogar a prisão preventiva.
Ministro Nunes Marques supera Súmula 691 e concede habeas corpus para determinar que Lei Anticrime retroaja no estelionato
Queimando a língua dos analistas do Síntese Criminal, ministro Nunes Marques concede habeas corpus para determinar a retroatividade do Pacote Anticrime no crime do estelionato
O ministro Nunes Marques, da 2ª Turma, concedeu um habaeas corpus para determinar que a vítima de um estelionato fosse intimada para informar se desejava representar criminalmente em desfavor do paciente.
Marques reconheceu que ambas as Turmas do STF já reconheceram a irretroatividade do § 5º do artigo 171 do Código Penal em que a denúncia tiver sido oferecida antes da entrada em vigor da Lei 13.964/19.
Ele observou, no entanto, que o dispositivo invocado pela parte impetrante (CP, art. 171, § 5º) introduziu norma de conteúdo misto, penal e processual penal (como são as que versam sobre prescrição ou decadência, ou a elas dizem respeito, ou nelas refletem, como é o caso desta, porquanto têm reflexos na punibilidade da conduta, em tese, delituosa), o que afasta, portanto, a regra do tempus regit actum prevista no art. 2º do Código de Processo Penal.
O habeas corpus ainda foi concedido com superação da Súmula 691, já que foi impetrado contra decisão monocrática de ministro do STJ.
Nunes Marques está começando a mudar o seu posicionamento? Só o tempo dirá…
Clique aqui para acessar os PDF’s das decisões de hoje.
Até a próxima!
Autores do relatório: Hebert Freitas & Lorenna Fernandes.
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