Será que a vítima pode pedir a abertura de um Inquérito?
No Brasil, mais especificamente dentro da área criminal e dos crimes de ação penal pública, podemos dizer que Delegado e o Promotor de Justiça são, respectivamente, os “donos” do Inquérito Policial e da Ação Penal.
Pode ocorrer, no entanto, de haver certa inércia dessas figuras, prevendo o Código de Processo Penal meios de atuação do ofendido a fim de dar andamento à elucidação de um crime.
Neste artigo, especificamente, trataremos do protagonismo da vítima dentro do Inquérito Policial. Quando será possível um requerimento de instauração?
A POSSIBILIDADE DE REQUERIMENTO NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PRIVADA
Aqui, faz-se necessário chamarmos atenção para a Lei 9.099/95, que trata do procedimento dos Juizados Especiais.
Isso porque o artigo 61 (alterado pela Lei 11.313/06) deixa explícito que são considerados de menor potencial ofensivo os crimes e contravenções penais cujas penas máximas não sejam superiores a 02 anos.
MAS POR QUE ISSO É IMPORTANTE?
Explicamos: o Código de Processo Penal, em seu artigo 5º, § 5º, prevê a possibilidade de requerimento de instauração de Inquérito Policial nos crimes de ação penal privada.
No entanto, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, o instrumento correto de investigação será o Termo Circunstanciado, conforme o artigo 69 da Lei 9.099/95.
Sendo assim, as hipóteses de instauração de Inquérito para a investigação de crimes de ação penal privada acabaram sendo esvaziadas.
De qualquer sorte, vale a pena fazer algumas ponderações.
Nos crimes de ação penal privada, o processo se iniciará a partir de uma Queixa Crime, e não de uma Denúncia.
Assim, surgem duas opções para a vítima: já oferecer, de pronto, a Queixa, ou recorrer ao Estado para que haja uma investigação, levantando, assim, elementos para a futura ação penal.
Em regra, o requerimento deverá ser escrito, cabendo somente ao ofendido ou ao seu representante legal (artigos 31 e 33) o direito de requerer da autoridade policial a instauração de um Inquérito.
O requerimento deverá conter a narração do fato, com todas as suas circunstâncias; individualização do indiciado (aqui há um erro do legislador, pois, em regra, só haverá o indiciamento do suspeito/imputado ao fim do Inquérito Policial), seus sinais característicos, assim como as razões pelas quais o requerente afirma ser ele o autor da infração penal.
Além disso, o pedido deverá conter a indicação de testemunhas, com indicação de suas profissões e endereço.
Importante ressaltar, aqui, que o prazo para ajuizamento da Queixa Crime é de 06 meses a partir da ciência do fato, motivo pelo qual o ofendido (ou seu representante legal) deve ficar atento.
REQUERIMENTO NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO
QUEM PODE REQUERER?
Nos crimes de ação penal pública incondicionada, é importante deixar claro que a representação (quando a vítima expressa seu desejo prosseguir) é imprescindível, chegando parte da doutrina a afirmar que o Inquérito Policial jamais poderia se iniciar sem a mesma.
Portanto, nos crimes de ação penal pública condicionada (ameaça e estelionato, por exemplo), será necessária a representação do ofendido (ou de seu representante) antes da instauração do Inquérito e de eventual Denúncia.
Aqui, é importante fazermos menção à Súmula 594 do STF, responsável por pacificar na doutrina que caso o menor de 18 se dirija ao seu representante legal e esse não exerça o direito de representação dentro dos 06 meses, ainda haverá a possibilidade de aquele fazê-lo quando chegar à maioridade.
Autores como Aury Lopes Jr. discordam desse entendimento nos seguintes termos:
Sem entrar na infindável discussão sobre o alcance da Súmula 594 do STF, destacamos apenas que, a nosso juízo, trata-se de um único direito. Logo, se o menor de 18 anos levar ao conhecimento do representante legal, o prazo de 6 meses começa a fluir. Se o responsável legal não representar, não poderá o menor, ao atingir a maioridade, fazer a representação, pois o direito em tela terá sido atingido pela decadência.
A questão é complicadíssima, não tendo este que vos fala, inclusive, posição definida.
Válido pontuar, no entanto, que é pacífico que o prazo de 06 meses não começa a fluir quando o menor não leva o crime a conhecimento de seu representante.
Nesse último caso, inexiste polêmica que mereça ser considerada.
Assim, poderá representar a vítima ou seu representante legal (irmão, ascendente, descendente, etc), ou procurador com poderes especiais.
COMO SERÁ A REPRESENTAÇÃO?
Importante deixar claro que a representação servirá para cientificar a autoridade policial acerca do crime cometido, assim como para autorizar o Estado a proceder contra aquele suposto autor.
E saiba: essa representação não necessitará de provas de autoria e materialidade, pois o papel do Inquérito também é descobrir o autor de um crime, assim como a sua existência ou não.
O requerente deverá, no entanto, levar algumas informações para convencer a autoridade policial da ocorrência de um crime.
Conforme o Código de Processo Penal, a representação poderá ser feita perante o Juiz, o Promotor de Justiça ou a autoridade policial.
Uma observação importante: o artigo 39, § 4º, estabelece que o Juiz, ao receber a representação, deverá encaminhá-la direto à autoridade policial, que deverá instaurar o Inquérito.
Parte da doutrina (a qual nos filiamos), rechaça essa hipótese, pois a Constituição não conferiu o poder ao magistrado de determinar o início de uma investigação, posto que esse é papel do Ministério Público, titular da Ação Penal.
PRAZO E TEMPO
O prazo decadencial é o mesmo para os a ação penal privada, qual seja 06 meses.
Quanto à forma, cabe ressaltar que o ofendido não tem a obrigação de realizar a representação. No entanto, como já dissemos, a falta dela levará a uma eventual impunidade do suposto autor.
Sem a representação, o Ministério Público não poderá oferecer a Denúncia.
O REQUERIMENTO DA VÍTIMA NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL INCONDICIONADA
Nos crimes de ação penal pública incondicionada o protagonismo da vítima é ainda maior, visto que, aqui, estamos tratando de crimes com penas maiores e de violações mais sérias.
Se você for leigo, saiba que crimes como estupro, homicídio, roubo, etc, são de ação penal pública incondicionada.
QUANDO A VÍTIMA PODERÁ AGIR?
Quando a autoridade policial ou o representante do Ministério Público ficar inerte, a vítima poderá querer a abertura de Inquérito Policial (caso o Delegado de Polícia não venha instaurar ofício ou depois da comunicação de qualquer pessoa).
A segunda possibilidade nós trataremos em um outro momento, resumindo o presente artigo, como já evidencia o título, ao requerimento de instauração de Inquérito Policial.
O QUE A VÍTIMA PODE FAZER?
Vai nos dizer o artigo 5º, inciso II, do CPP, que o Inquérito Policial poderá ser iniciado mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
O parágrafo primeiro do mesmo dispositivo elenca alguns requisitos para o requerimento, sendo eles aqueles mesmos listados e abordados no tópico do requerimento de instauração de Inquérito nos crimes de ação penal privada.
Não obstante, o primeiro requisito é a descrição dos fatos.
Aqui tem que ficar bem claro que essa descrição, conforme o próprio Código de Processo Penal, não deverá ter todas as circunstâncias, visto que se fosse necessário uma descrição pormenorizada de tudo, seria mais fácil que o ofendido já ajuizasse uma Queixa Crime.
O objetivo do Inquérito, como já dissemos outrora, é apurar a autoria de um crime, sua existência, as circunstâncias relacionadas a ele, etc.
É preciso deixar bem claro, ainda, que esse requerimento será feito somente na hipótese de inércia do Delegado de Polícia.
O § 3º do artigo 5º deixa bem claro que qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial.
No dia a dia, a regra é que um Inquérito seja instaurado logo após o Delegado se cientificar da provável existência de um crime.
O requerimento será um procedimento mais detalhado, mas não deverá ser minucioso, pois apurar tudo é função do próprio procedimento investigatório.
Na prática, ele servirá para forçar o Delegado a tomar uma atitude, já que o mesmo deverá se posicionar, cabendo recurso para a autoridade superior (artigo 5º, parágrafo 2º).
OS OUTROS REQUISITOS
Além da descrição dos fatos, o ofendido (vítima) deverá dizer à Polícia quem é o provável autor do crime, descrevendo suas características e porquê da suspeita.
O requerimento também deverá conter a nomeação das testemunhas e dados que permitam identificá-las. Necessário ressaltar que o requerimento não pode ser indeferido em virtude de eventual falta de indicação de testemunhas.
Como detalha Aury Lopes Jr.:
Em síntese, o que deve ficar claro é que se trata de um delito de ação penal de iniciativa pública e que a polícia tem a obrigação de apurar, seja através do conhecimento de ofício, através de notícia-crime realizada pela vítima ou por qualquer pessoa
Caso o Delegado indefira o pedido, caberá, como já destacamos, recurso para o chefe da Polícia.
A vítima ou seu representante legal ainda possuem duas outras alternativas:
- Impetrar Mandado de Segurança contra a decisão do Delegado;
- Levar todas as informações disponíveis ao Ministério Público, como prevê o artigo 27.
CONCLUSÃO
A regra é que o Inquérito Policial seja iniciado de ofício ou mediante requisição do Ministério Público, mas o Código de Processo Penal também prevê o requerimento a ser realizado pela vítima ou por seu representante legal.
Nessa via, é importante deixar claro que a primeira atitude a ser tomada é se dirigir a uma Delegacia e informar a autoridade policial acerca da existência de um crime.
Caso o Delegado demore a se posicionar ou opte por ficar estagnado, a vítima, então, poderá dirigir um requerimento escrito, descrevendo, por alto, informações acerca do crime.
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