Picture of Hebert Freitas
Hebert Freitas
Hebert Freitas é coordenador do Síntese Criminal e advogado pela Universidade Federal Fluminense. Siga no Twitter/X: @freitashebert_

INQUÉRITO POLICIAL: A VÍTIMA PODE PEDIR PARA O DELEGADO INSTAURAR?

Será que a vítima pode pedir ao Delegado para que ele instaure um Inquérito Policial em um crime de ação penal pública? É o que você verá!

Será que a vítima pode pedir a abertura de um Inquérito?

No Brasil, mais especificamente dentro da área criminal e dos crimes de ação penal pública, podemos dizer que Delegado e o Promotor de Justiça são, respectivamente, os “donos” do Inquérito Policial e da Ação Penal.

Pode ocorrer, no entanto, de haver certa inércia dessas figuras, prevendo o Código de Processo Penal meios de atuação do ofendido a fim de dar andamento à elucidação de um crime. 

Neste artigo, especificamente, trataremos do protagonismo da vítima dentro do Inquérito Policial. Quando será possível um requerimento de instauração?

A POSSIBILIDADE DE REQUERIMENTO NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PRIVADA

Aqui, faz-se necessário chamarmos atenção para a Lei 9.099/95, que trata do procedimento dos Juizados Especiais.

Isso porque o artigo 61 (alterado pela Lei 11.313/06) deixa explícito que são considerados de menor potencial ofensivo os crimes e contravenções penais cujas penas máximas não sejam superiores a 02 anos.

MAS POR QUE ISSO É IMPORTANTE?

Explicamos: o Código de Processo Penal, em seu artigo 5º, § 5º, prevê a possibilidade de requerimento de instauração de Inquérito Policial nos crimes de ação penal privada.

No entanto, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, o instrumento correto de investigação será o Termo Circunstanciado, conforme o artigo 69 da Lei 9.099/95.

Sendo assim, as hipóteses de instauração de Inquérito para a investigação de crimes de ação penal privada acabaram sendo esvaziadas.

De qualquer sorte, vale a pena fazer algumas ponderações.

Nos crimes de ação penal privada, o processo se iniciará a partir de uma Queixa Crime, e não de uma Denúncia.

Assim, surgem duas opções para a vítima: já oferecer, de pronto, a Queixa, ou recorrer ao Estado para que haja uma investigação, levantando, assim, elementos para a futura ação penal.

Em regra, o requerimento deverá ser escrito, cabendo somente ao ofendido ou ao seu representante legal (artigos 31 e 33) o direito de requerer da autoridade policial a instauração de um Inquérito.

O requerimento deverá conter a narração do fato, com todas as suas circunstâncias; individualização do indiciado (aqui há um erro do legislador, pois, em regra, só haverá o indiciamento do suspeito/imputado ao fim do Inquérito Policial), seus sinais característicos, assim como as razões pelas quais o requerente afirma ser ele o autor da infração penal.

Além disso, o pedido deverá conter a indicação de testemunhas, com indicação de suas profissões e endereço.

Importante ressaltar, aqui, que o prazo para ajuizamento da Queixa Crime é de 06 meses a partir da ciência do fato, motivo pelo qual o ofendido (ou seu representante legal) deve ficar atento.

REQUERIMENTO NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO

QUEM PODE REQUERER?

Nos crimes de ação penal pública incondicionada, é importante deixar claro que a representação (quando a vítima expressa seu desejo prosseguir) é imprescindível, chegando parte da doutrina a afirmar que o Inquérito Policial jamais poderia se iniciar sem a mesma.

Portanto, nos crimes de ação penal pública condicionada (ameaça e estelionato, por exemplo), será necessária a representação do ofendido  (ou de seu representante) antes da instauração do Inquérito e de eventual Denúncia.

Aqui, é importante fazermos menção à Súmula 594 do STF, responsável por pacificar na doutrina que caso o menor de 18 se dirija ao seu representante legal e esse não exerça o direito de representação dentro dos 06 meses, ainda haverá a possibilidade de aquele fazê-lo quando chegar à maioridade.

Autores como Aury Lopes Jr. discordam desse entendimento nos seguintes termos:

Sem entrar na infindável discussão sobre o alcance da Súmula 594 do STF, destacamos apenas que, a nosso juízo, trata-se de um único direito. Logo, se o menor de 18 anos levar ao conhecimento do representante legal, o prazo de 6 meses começa a fluir. Se o responsável legal não representar, não poderá o menor, ao atingir a maioridade, fazer a representação, pois o direito em tela terá sido atingido pela decadência.

A questão é complicadíssima, não tendo este que vos fala, inclusive, posição definida.

Válido pontuar, no entanto, que é pacífico que o prazo de 06 meses não começa a fluir quando o menor não leva o crime a conhecimento de seu representante.

Nesse último caso, inexiste polêmica que mereça ser considerada.

Assim, poderá representar a vítima ou seu representante legal (irmão, ascendente, descendente, etc), ou procurador com poderes especiais.

COMO SERÁ A REPRESENTAÇÃO?

Importante deixar claro que a representação servirá para cientificar a autoridade policial acerca do crime cometido, assim como para autorizar o Estado a proceder contra aquele suposto autor.

E saiba: essa representação não necessitará de provas de autoria e materialidade, pois o papel do Inquérito também é descobrir o autor de um crime, assim como a sua existência ou não.

O requerente deverá, no entanto, levar algumas informações para convencer a autoridade policial da ocorrência de um crime.

Conforme o Código de Processo Penal, a representação poderá ser feita perante o Juiz, o Promotor de Justiça ou a autoridade policial.

Uma observação importante: o artigo 39, § 4º, estabelece que o Juiz, ao receber a representação, deverá encaminhá-la direto à autoridade policial, que deverá instaurar o Inquérito.

Parte da doutrina (a qual nos filiamos), rechaça essa hipótese, pois a Constituição não conferiu o poder ao magistrado de determinar o início de uma investigação, posto que esse é papel do Ministério Público, titular da Ação Penal.

PRAZO E TEMPO

O prazo decadencial é o mesmo para os a ação penal privada, qual seja 06 meses.

Quanto à forma, cabe ressaltar que o ofendido não tem a obrigação de realizar a representação. No entanto, como já dissemos, a falta dela levará a uma eventual impunidade do suposto autor.

Sem a representação, o Ministério Público não poderá oferecer a Denúncia.

O REQUERIMENTO DA VÍTIMA NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL INCONDICIONADA 

Nos crimes de ação penal pública incondicionada o protagonismo da vítima é ainda maior, visto que, aqui, estamos tratando de crimes com penas maiores e de violações mais sérias.

Se você for leigo, saiba que crimes como estupro, homicídio, roubo, etc, são de ação penal pública incondicionada.

QUANDO A VÍTIMA PODERÁ AGIR?

Quando a autoridade policial ou o representante do Ministério Público ficar inerte, a vítima poderá querer a abertura de Inquérito Policial (caso o Delegado de Polícia não venha instaurar ofício ou depois da comunicação de qualquer pessoa).

A segunda possibilidade nós trataremos em um outro momento, resumindo o presente artigo, como já evidencia o título, ao requerimento de instauração de Inquérito Policial.

O QUE A VÍTIMA PODE FAZER?

Vai nos dizer o artigo 5º, inciso II, do CPP, que o Inquérito Policial poderá ser iniciado mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

O parágrafo primeiro do mesmo dispositivo elenca alguns requisitos para o requerimento, sendo eles aqueles mesmos listados e abordados no tópico do requerimento de instauração de Inquérito nos crimes de ação penal privada.

Não obstante, o primeiro requisito é a descrição dos fatos.

Aqui tem que ficar bem claro que essa descrição, conforme o próprio Código de Processo Penal, não deverá ter todas as circunstâncias, visto que se fosse necessário uma descrição pormenorizada de tudo, seria mais fácil que o ofendido já ajuizasse uma Queixa Crime.

O objetivo do Inquérito, como já dissemos outrora, é apurar a autoria de um crime, sua existência, as circunstâncias relacionadas a ele, etc.

É preciso deixar bem claro, ainda, que esse requerimento será feito somente na hipótese de inércia do Delegado de Polícia. 

O § 3º do artigo 5º deixa bem claro que qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial.

No dia a dia, a regra é que um Inquérito seja instaurado logo após o Delegado se cientificar da provável existência de um crime. 

O requerimento será um procedimento mais detalhado, mas não deverá ser minucioso, pois apurar tudo é função do próprio procedimento investigatório.

Na prática, ele servirá para forçar o Delegado a tomar uma atitude, já que o mesmo deverá se posicionar, cabendo recurso para a autoridade superior (artigo 5º, parágrafo 2º).

OS OUTROS REQUISITOS

Além da descrição dos fatos, o ofendido (vítima) deverá dizer à Polícia quem é o provável autor do crime, descrevendo suas características e porquê da suspeita.

O requerimento também deverá conter a nomeação das testemunhas e dados que permitam identificá-las. Necessário ressaltar que o requerimento não pode ser indeferido em virtude de eventual falta de indicação de testemunhas.

Como detalha Aury Lopes Jr.:

Em síntese, o que deve ficar claro é que se trata de um delito de ação penal de iniciativa pública e que a polícia tem a obrigação de apurar, seja através do conhecimento de ofício, através de notícia-crime realizada pela vítima ou por qualquer pessoa

Caso o Delegado indefira o pedido, caberá, como já destacamos, recurso para o chefe da Polícia.

A vítima ou seu representante legal ainda possuem duas outras alternativas:

  1. Impetrar Mandado de Segurança contra a decisão do Delegado;
  1. Levar todas as informações disponíveis ao Ministério Público, como prevê o artigo 27.

CONCLUSÃO

A regra é que o Inquérito Policial seja iniciado de ofício ou mediante requisição do Ministério Público, mas o Código de Processo Penal também prevê o requerimento a ser realizado pela vítima ou por seu representante legal.

Nessa via, é importante deixar claro que a primeira atitude a ser tomada é se dirigir a uma Delegacia e informar a autoridade policial acerca da existência de um crime. 

Caso o Delegado demore a se posicionar ou opte por ficar estagnado, a vítima, então, poderá dirigir um requerimento escrito, descrevendo, por alto, informações acerca do crime.

Se você gostou do artigo, não deixe de compartilhar.

Nos siga no Instagram, pois lá nós compartilhamos conteúdo de alta relevância sobre Direito Penal, Processo Penal, Direito Penal Militar, etc.

Nós também temos um canal exclusivo no Telegram, onde postamos documentos importantes dos processos criminais de relevância do país. Vale a pena dar uma conferida!

Leia também

plugins premium WordPress