O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, votou pela soltura e suspensão da execução imediata da pena imposta ao jogador Robinho pela justiça italiana.
O caso chegou à suprema corte após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologar a sentença italiana que condenou o jogador e determinar sua prisão.
A controvérsia envolvia a homologação de uma condenação penal pela justiça italiana por crimes ocorridos em 2013. A decisão inicial do STJ determinava que a pena fosse cumprida no Brasil, com base na Lei de Migração (Lei 13.445/2017). A defesa argumentou que a aplicação dessa lei seria inconstitucional por violar o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, uma vez que os fatos ocorreram antes de sua vigência.
Além disso, sustentou que a transferência da execução penal violaria a Constituição Federal, que veda a extradição de brasileiros natos e, por extensão, a execução de penas determinadas por jurisdições estrangeiras.
O primeiro argumento convenceu o ministro Gilmar Mendes, que votou pela concessão do habeas corpus.
O voto do ministro aborda essencialmente 3 pontos:
1) Inaplicabilidade da Lei de Migração, de 2017, ao caso do jogador, que aconteceu em 2013;
2) Possibilidade de o caso ser julgado pelo Judiciário brasileiro.
3) Impossibilidade da imediata prisão de Robinho sem o trânsito em julgado da decisão de homologação de sentença estrangeira.
A inaplicabilidade da Lei de Migração ao caso do jogador
Gilmar pontuou o instituto da Transferência de Execução de Pena, previsto na Lei de Migração (Lei 13.445/2017), não poderia ser aplicado retroativamente aos fatos imputados ao jogador. Os crimes pelos quais Robinho foi condenado pela Justiça italiana ocorreram em 2013, antes da vigência da referida lei, promulgada apenas em 2017.
O ministro fundamentou sua posição com base no princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, assegurado pelo artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal.
Ele destacou que a aplicação do dispositivo legal neste caso configuraria uma violação direta à garantia constitucional de que leis penais que ampliem o rigor do poder punitivo não podem ser aplicadas a crimes cometidos antes de sua entrada em vigor.
Para Gilmar, a Transferência de Execução de Pena tem caráter híbrido, combinando aspectos penais e processuais. Ele explicou que, embora normas processuais tenham aplicação imediata, aquelas que interferem diretamente no status libertatis (situação de liberdade do indivíduo) são consideradas de natureza penal.
Assim, essas normas estão sujeitas ao princípio da irretroatividade quando forem mais prejudiciais ao réu.
Em suas palavras, “parece-me claro que o art. 100 da Lei de Migração amplia o poder punitivo do Estado brasileiro, ao permitir que a execução de pena privativa de liberdade prolatada no estrangeiro seja concretizada no Brasil, mediante simples decisão homologadora de sentença proferida por outro Estado soberano”.
Possibilidade de novo julgamento dos fatos pelo Judiciário brasileiro
O ministro também analisou a possibilidade de o Judiciário brasileiro realizar um novo julgamento dos fatos que levaram à condenação de Robinho na Itália.
Ele rejeitou a tese defendida pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que argumentava que a homologação da sentença estrangeira seria a única forma de evitar a impunidade, já que um novo julgamento estaria vedado pelo princípio do non bis in idem.
O ministro reconheceu a existência de dois julgados na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal que indicariam que o princípio também teria aplicação no campo supranacional, de forma que uma condenação estrangeira transitada em julgado impediria que o Judiciário brasileiro apreciasse novamente os fatos.
Gilmar, no entanto, pontuou que os dois julgados não alcançariam o caso de Robinho, já que há época do julgamento de ambos não existia o instituto da Transferência de Execução da Pena no ordenamento jurídico brasileiro.
“Minha convicção continua idêntica àquela manifestada há mais de uma década: vedada a extradição e sem a possibilidade de trasladar a execução da pena privativa de liberdade, a vedação ao bis in idem prevista em tratado internacional precisa ser interpretada grano salis, como forma de acomodá-la a outros princípios que regem a matéria”, pontuou o ministro.
“Entendo que a melhor solução para o caso de que se cuida é permitir que os fatos que renderam ensejo à condenação advinda da Itália sejam objeto de persecução penal pelas instituições brasileiras, mediante aplicação extraterritorial da lei penal brasileira, como modo de tornar efetivo o postulado do aut dedere aut judicare”, arrematou.
Impossibilidade da imediata prisão de Robinho sem o trânsito em julgado da decisão de homologação de sentença estrangeira
O ministro Gilmar Mendes também concluiu que a ordem de prisão imediata de Robinho determinada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao homologar a sentença estrangeira foi equivocada.
O ministro destacou que essa determinação violou princípios como a presunção de inocência, além do devido processo legal.
O voto ressalta o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que o cumprimento de pena privativa de liberdade só pode ser executado após o trânsito em julgado da decisão judicial.
No caso, a decisão do STJ que homologou a sentença italiana ainda era passível de recursos, como embargos de declaração e recurso extraordinário. Portanto, ao determinar a imediata prisão de Robinho, o STJ teria desconsiderado que a decisão ainda não era definitiva.
Outro aspecto importante foi a análise do impacto da ordem de prisão no contexto da cooperação internacional. O ministro lembrou que o Brasil, ao aderir a tratados internacionais sobre direitos humanos, compromete-se a respeitar garantias fundamentais como o devido processo legal e o contraditório.
Assim, votou para suspender imediatamente o processo de homologação de sentença estrangeira em trâmite perante a Corte Especial do STJ e a soltura do jogador.
Referência: Habeas Corpus 239.238.