A atuação do Ministério Público de São Paulo em um recente caso midiático irritou os ministros da Quinta Turma do STJ. Na última terça (5), o Colegiado aproveitou para rebater algumas alegações infundadas que foram veiculadas.
Contextualização
No dia 18 de dezembro de 2023, a ministra Daniela Teixeira, naquele momento recém-empossada no Superior Tribunal de Justiça, deferiu uma liminar em habeas corpus para garantir a liberdade de um homem condenado pelo tribunal do júri de São Paulo a 15 anos de reclusão.
Na decisão, a ministra constatou a flagrante ilegalidade do caso, já que o paciente já havia cumprido 11 anos de prisão preventiva.
A prisão, inclusive, fora revogada pelo próprio magistrado presidente do júri, que julgou desproporcional a quantidade de tempo de prisão cautelar. Após dois anos em liberdade, o Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu um pedido do Ministério Público para aumentar a pena para 16 anos de reclusão e determinar a nova prisão.
A atuação da ministra gerou enorme repercussão. Na imprensa, notícias de que o paciente seria integrante de uma facção criminosa e estaria foragido na Bolívia pipocaram. Tais informações, é bom ressaltar, não constavam do processo que deu vida à decisão da ministra.
A reação do Ministério Público
Após a repercussão do caso, o Ministério Público de São Paulo iniciou uma cruzada para tentar cassar a liminar deferida pela ministra Daniela Teixeira.
No dia 11 de janeiro de 2024, o órgão ministerial endereçou uma petição intitulada “sustação de medida liminar” à presidência do STJ.
Nela, o MPSP chegou a atacar os advogados do caso, afirmando que a decisão da ministra Daniela Teixeira teria se assentado em “premissas falsas trazidas pela defesa“. O trecho seria repetido posteriormente em uma petição submetida à presidência do Supremo Tribunal Federal.
No STJ, o pedido de “sustação de liminar” do Ministério Público não logrou êxito. De pronto, a ministra Maria Thereza, presidente da Corte, verificou o manifesto descabimento da peça invocada pelo órgão ministerial, que não estava amparada em qualquer dispositivo legal.
O órgão ministerial, não satisfeito, foi ao Supremo Tribunal Federal.
O trecho que gerou incômodo nos ministros
Irresignado com a situação, o Ministério Público de São Paulo recorreu ao STF. Em uma peça intitulada “suspensão de segurança”, o órgão requereu ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Suprema Corte, a cassação da liminar deferida pela ministra Daniela Teixeira a prisão do paciente.
Um trecho da peça gerou muito incômodo nos ministros da Quinta Turma do STJ. À página 3, o Parquet afirmou ter sido intimado eletronicamente no dia 19 de dezembro, ‘um dia antes do início do recesso judiciário’ (SIC).
O trecho, segundo palavras da própria ministra, insinuou que a decisão teria sido tomada nos últimos minutos antes do recesso como forma de obstaculizar qualquer reação da acusação.
Do próprio site do STJ, no entanto, é possível verificar que aquela não foi a única liminar apreciada pelo gabinete da ministra Daniela Teixeira durante os dias 17 e 18 de dezembro.
Na sessão da Quinta Turma, inclusive, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca aproveitou para rebater a alegação de que processos já conclusos aos gabinetes dos ministros não poderiam ser despachados no recesso forense.
“Os processos que entrarem no recesso ou nas férias, a competência é da presidência do tribunal e da vice-presidência, conforme o ato regulamentar específico. Mas os processos que estão conclusos nos gabinetes dos ministros podem sair, sim, durante as férias”, pontuou Reynaldo.
“Eu faço esse esclarecimento para que fique bem claro, porque isso é um dogma que vai se criando dentro do tecido social, como se isso fosse uma irregularidade, uma nulidade. E não existe nulidade nenhuma em relação a esse procedimento”, concluiu.
Barroso também indeferiu o pedido do Parquet.
O desabafo da ministra Daniela Teixeira
Após ser alvo de ataques injustos, a ministra Daniela Teixeira aproveitou a sessão para desabafar.
Inicialmente, Teixeira pontuou que o processo que estava sob sua relatoria tratava apenas de um crime de homicídio. Ela ressaltou que não havia nenhum elemento nos autos que ligasse o réu a tráfico de drogas ou organização criminosa, como apontado pela imprensa e pelo Ministério Público.
A ministra também esclareceu que tratou no caso apenas da prisão cautelar do paciente, que já havia cumprido 11 anos de preventiva.
Sobre a afirmação do Ministério Público de que a liminar teria sido deferida no dia 18 de dezembro, Daniela rebateu: “isso é ofensivo à Justiça, e não exclusivamente à minha pessoa”.
“O meu gabinete fez um mutirão imenso. Nós recebemos 846 petições atrasadas quando eu tomei posse e no dia 18 de dezembro todas estavam zeradas no sistema. Não ficou nem um pedido de liminar pendente para o recesso. Não houve uma preferência a esse processo ou a qualquer outro. Todos os pedidos de liminar foram analisados por mim até às 20 horas do dia anterior ao recesso”, esclareceu a ministra.
Daniela também advertiu: “a palavra da defesa, para essa magistrada, tem o mesmo peso da acusação”.
Veja, abaixo, a íntegra do julgamento.
Referência: Habeas Corpus 854866.