O Acordo de Não Persecução Penal, “novo instrumento” a serviço da justiça penal negociada, foi trazido ao direito brasileiro pelo chamado Pacote Anticrime e será cabível, em resumo, quando não for caso de arquivamento; quando a ação não envolver violência ou grave ameaça e quando o crime ostentar pena mínima inferior a 04 anos.
Uma pergunta importante que surge, dentre inúmeras outras, é: o que acontece se o Ministério Público pode não oferecê-lo?
Neste breve artigo, procuraremos abordar as hipóteses que autorizam o Promotor de Justiça a deixar de oferecer o Acordo de Não Persecução Penal, assim como o que deverá ser feito pela defesa do imputado caso isso venha a ocorrer.
HIPÓTESES QUE NÃO PERMITEM O OFERECIMENTO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Antes de falarmos das hipóteses, é preciso deixar claro que o Acordo de Não Persecução já era previsto pela Resolução 182/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público, mas só passou a ser regulado oficialmente em 2019.
Pois bem. O ANPP (Acordo de Não Persecução Penal) é regulado do artigo 28-A do Código de Processo Penal em diante, ficando a cargo do § 2º do referido artigo nos dizer em quais casos a celebração do mesmo será vedada.
PRIMEIRA HIPÓTESE: CABIMENTO DE TRANSAÇÃO PENAL AO CASO
Segundo o primeiro inciso do § 2º, não será admitida a proposta se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais.
Tal vedação existe, pois a transação tem prioridade sobre o ANPP, não cabendo este, portanto, quando couber aquela.
SEGUNDA HIPÓTESE: INVESTIGADO REINCIDENTE OU EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE INDIQUEM CONDUTA CRIMINAL HABITUAL, REITERADA OU PROFISSIONAL
Reincidente é aquele que depois de condenado definitivamente (trânsito em julgado), comete novo crime.
O ANPP também não poderá ser oferecido quando houver informações indicando a prática habitual, reiterada ou profissional do suspeito. Anote: aqui, a referência é ao criminoso habitual (aquele que comete vários crimes), e não ao crime habitual (delito único que é praticado com frequência).
Sendo assim, o delito de casa de prostituição (que é considerado crime habitual) pode ser passível de ANPP.
Conduta criminal reiterada é aquela que se repete, enquanto o profissional é aquela indivíduo que tem um crime como se seu trabalho fosse.
Mas se atente a um detalhe importantíssimo: embora a intenção, aqui, seja a de vedar a aplicação do Acordo de Não Persecução Penal aos casos em que o indivíduo tem o crime como meio de vida, ele poderá ser aplicado quando as infrações penais cometidas forem insignificantes.
Aqui vale um apontamento: alguns vem entendendo que a insignificância que trata o inciso é aquela relacionada aos delitos de menor potencial ofensivo, posto que a insignificância como instituto já afasta a existência de crime por si só.
Esse, inclusive, é o entendimento do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (Enunciado nº 21).
TERCEIRA HIPÓTESE: O AGENTE NÃO PODE TER SIDO BENEFICIADO NOS 5 ANOS ANTERIORES AO COMETIMENTO DA INFRAÇÃO POR ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL, TRANSAÇÃO PENAL OU SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
Aqui, não há muito o que dizer.
Prezando o legislador pelo oferecimento do ANPP aos acusados primários, este não poderá ser oferecido caso o autor do crime tenha sido beneficiado, dentro de 05 anos, por qualquer outro instituto despenalizador.
QUARTA HIPÓTESE: CRIMES PRATICADOS NO ÂMBITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA OU FAMILIAR, OU PRATICADOS CONTRA A MULHER POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO, EM FAVOR DO AGRESSOR
Observe que na primeira parte do dispositivo não há menção a mulher, podendo deixar de ser aplicado o ANPP também nos casos de crimes praticados contra homens.
No que tange ao restante da previsão, podemos dizer que tal vedação já era esperada, visto que a Súmula 536 do STF já proibia o oferecimento de suspensão condicional do processo e transação penal nos crimes sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.
O QUE FAZER QUANDO O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO OFERECE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL?
Caso a defesa do imputado entenda estarem presentes os requisitos para o oferecimento Acordo de Não Persecução Penal, algumas hipóteses deverão ser avaliadas:
A primeira é em relação ao mandamento do § 14, que poderá ser aplicado, devendo ser feito um pedido de revisão para a instância competente do Ministério Público (nos moldes do artigo 28 do Código de Processo Penal).
O prazo para o recurso é de 30 dias, podendo o órgão do Ministério Público manter a decisão do Promotor de Justiça de não oferecer o ANPP ou concordar com o pedido e designar um outro membro do MP para oferecer.
Cá entre nós: as chances de um órgão do próprio Ministério Público discordar de uma decisão do Promotor de Justiça são bem pequenas, o que nos leva a uma “opção mais garantista”:
O Juiz no processo penal tem como função primordial garantir os direitos do acusado. Dessa forma, caso entenda o Ministério Público por não oferecer o acordo, seria possível dirigir-se a defesa ao magistrado do caso, que deverá, caso o imputado faça jus ao benefício, aplicá-lo.
O precursor dessa posição é o Professor Aury Lopes Jr., que prescreve:
Não se trata, sublinhe-se, de atribuir ao juiz um papel de autor, ou mesmo de juiz-ator, característica do sistema inquisitório e incompatível com o modelo constitucional-acusatório por nós defendido. Nada disso. A sistemática é outra. O imputado postula o reconhecimento de um direito (o direito ao acordo de não persecução penal) que lhe está sendo negado pelo Ministério Público, e o juiz decide, mediante invocação.
Portanto, essas são, a princípio, as duas alternativas para o não oferecimento do ANPP.
CONCLUSÃO
O Acordo de Não Persecução Penal veio com o propósito de desafogar o sistema judiciário, levando a efeito a antecipação de certas condições que seriam aplicadas ao final de uma sentença penal condenatória, caso o processo se iniciasse normalmente.
Sendo assim, caso o Promotor de Justiça se negue a oferecer o acordo, a defesa poderá seguir dois caminhos diversos: elaborar um recurso destinado à instância superior do MP ou requerer ao Juiz sob o fundamento de que ele é o principal garantidor dos direitos subjetivos do imputado no processo penal.
Esse foi um dos diversos artigos que faremos em relação aos mecanismos relacionados à justiça penal negociada.