Ao votar contra prisões determinadas por Moraes, Mendonça pontuou que prisão preventiva não pode ser decretada como punição ou com base em “clamor social”

O ministro discordou de Alexandre de Moraes por não verificar no caso concreto a existência de elementos que justificassem a decretação da prisão cautelar
Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal, nesta quarta-feira (11), referendou a decisão em que o ministro Alexandre de Moraes decretou as prisões do ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro e do ex-comandante da PM/DF.

Ao final do julgamento, estava posto o “placar” de 9 x 2. Apenas os ministros Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados por Jair Bolsonaro, negaram referendo à decisão.

Excetuada a avaliação política das posturas adotadas pelos ministros dissidentes, parece válido pontuar que a decisão de André Mendonça trouxe importantes reflexões e passagens sobre a utilização da prisão preventiva.

Inicialmente, o ministro fez questão de destacar que os atos violentos (SIC) praticados em Brasília no dia 08.01.2023 são “gravíssimos e merecem total repulsa de todos os que prezam pela ordem democrática”.

Não há justificativa alguma, seja de ordem política, ideológica ou decorrente de qualquer tipo de discordância, que autorize quem quer que seja a fazer uso da violência para se expressar ou fazer prevalecer, na sociedade, suas ideias políticas, pontuou.

A violência generalizada, desencadeada em 08/01/2023, não deixa dúvida de que os limites constitucionais foram ultrapassados, impondo-se a rigorosa apuração dos fatos e a necessária responsabilização de todos os seus autores, acrescentou o ministro.

No ponto relativo às prisões, ele discordou.

Ao iniciar a análise acerca das constrições determinadas por Alexandre de Moraes em face do ex-comandante e do ex-ministro, André Mendonça consignou que a Constituição Federal consagra o princípio da não culpabilidade.

Com relação à decretação da prisão preventiva de Anderson Gustavo Torres e de Fábio Augusto Vieira, anoto, de início, que a Constituição da República consagra o princípio da não culpabilidade (art. 5º, LVII), de modo que toda prisão cautelar (inclusive a prisão preventiva) deve ser considerada como medida excepcionalíssima, limitada no tempo e suficientemente motivada pela autoridade judicial , mediante análise da concreta necessidade e adequação da providência, nos termos dos arts. 282, incisos I e II c/c 312 do CPP, destacou.

Em seguida, ele observou que a prisão cautelar, por ser medida grave e que suprime a liberdade do indivíduo, somente se mostra necessária quando as medidas cautelares diversas da prisão não se revelarem adequadas para neutralizar o risco à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal (na linha do § 6º do artigo 282, trazido ao Código de Processo Penal pela Lei Anticrime).

Sobre a existência de crimes e indícios de autoria no caso concreto, o ministro inclusive concordou com Moraes.

No caso concreto, analisando detidamente a respeitável decisão submetida a referendo, observo que o fumus comissi delicti encontra-se devidamente justificado, ante a prova da existência de crimes e a suficiência dos indícios de autoria concretamente indicados no decreto de custódia cautelar, disse. Ele aproveitou para pontuar, no entanto, a sua discordância relacionada ao suposto enquadramento das condutas dos pacientes à Lei 13.260/16, popularmente conhecida como “Lei Antiterrorismo”.

Na sequência, o ministro destacou não vislumbrar a presença de periculum libertatis no caso.

Ao tratar do tema, ele pontuou que não restou concretamente demonstrado o perigo gerado pelo estado de liberdade dos investigados ou mesmo a insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão trazidas no art. 319 do CPP para minorar os riscos sociais e processuais indicados no art. 312 do CPP.

Em relação ao argumento de Alexandre de Moraes de que as prisões eram necessárias para garantir a ordem pública, André Mendonça ressaltou o fato de ambos os investigados não mais se encontrarem no exercício de funções relativas à segurança pública no Distrito Federal.

Desse modo, individualmente e no momento presente, entendo que os investigados não mais possam ocasionar, por ação ou omissão na
condução de políticas de segurança pública, a citada reiteração na prática dos delitos investigados
, assentou.

Ausente, portanto, a contemporaneidade na presença dos motivos ensejadores da custódia cautelar ante a ausência de indicação de que tais investigados poderão, de algum modo, permitir a reiteração das condutas delitivas. Reforça esse entendimento o fato de a segurança pública no Distrito Federal se encontrar, no presente momento, sob intervenção e responsabilidade federal, por força do Decreto nº 11.377, de 08/01/2023, do Presidente da República, ponderou o ministro.

No complemento do voto, Mendonça também advertiu não ser possível confundir (SIC) a gravidade da conduta e de seu resultado com os requisitos necessários para a decretação da prisão preventiva:

Em que pese se reconheça a gravidade dos fatos investigados, aos quais todos manifestamos repulsa e indignação, não se pode confundir o desvalor e a gravidade das condutas e dos resultados delas decorrentes com os requisitos necessários para a custódia cautelar, que são específicos e diversos, a demandarem motivação expressa do órgão julgador que justifique de que modo a liberdade dos acusados pode, no momento atual, conduzir a riscos concretos à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal.

Deve-se divisar que o momento de retribuição ou punição do autor pela prática do crime é o de cumprimento da pena, após devido processo penal, que venha a resultar em sentença condenatória com trânsito em julgado, sendo o momento da sentença a ocasião em que o magistrado considerará, na dosimetria da pena, a gravidade e o desvalor das condutas praticadas, disse.

No curso da investigação ou do processo, a prisão não assume feição punitiva, mas instrumental , tendo por objetivo afastar riscos sociais ou garantir a eficácia da investigação e da aplicação da lei penal, advertiu o ministro.

Além disso, Mendonça ressaltou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem afastado a gravidade abstrata do crime e o clamor social como fundamentos autorizadores da decretação da custódia preventiva.

Ao finalizar, ele asseriu que entendia que no atual momento não se relevaria presente o perigo gerado pela liberdade dos investigados, de modo que medidas cautelares diversas da prisão seriam suficientes.

Essas foram as medidas cautelares fixadas pelo ministro no voto:

  • Proibição de manter contato com os demais investigados, por qualquer meio (art. 319, inciso III, do CPP)
  • Proibição de acesso a qualquer órgão responsável pela apuração dos fatos investigados ou contato com autoridades responsáveis pela investigação ou com possíveis testemunhas (art. 319, II e III, do CPP);
  • Proibição de deixar o país, devendo entregar seu(s) passaporte(s) em até 48 (quarenta e oito) horas (art. 319, inciso IV, e art. 320, do CPP).

Para acessar o voto na íntegra, clique aqui.

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