A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou a íntegra do acórdão prolatado no bojo do Habeas Corpus 686.312/MS, em que o Colegiado absolveu uma mulher condenada pelo crime de tráfico de drogas em razão da ausência de apreensão de drogas.
No caso, a Seção se debruçou sobre condenação imposta à paciente, presa na chamada “Operação Armadillo”. No habeas corpus sucedâneo de revisão criminal, a defesa requereu a absolvição da mulher sob o argumento de que a condenação se pautou apenas em provas testemunhais, interceptações telefônicas e análises de aparelhos celulares apreendidos.
O relator, ministro Sebastião Reis Jr., que votou pelo não conhecimento do writ, ficou vencido, prevalecendo a divergência aberta pelo ministro Rogério Schietti.
A seguir, você lerá uma cobertura completa do voto do ministro Schietti.
1) HC 686.312-MS: o que entendeu o juiz de primeira instância e o tribunal de justiça ao condenarem a paciente
- Ao pontuar pela existência de materialidade no caso concreto, o juízo pontuou que ela estaria comprovada pela existência de auto de apreensão, por laudo pericial em objetos, por documentos, por mensagens de textos, por interceptação telefônica, por depoimentos e por outros elementos de convencimento produzidos, tudo a atestar que eram vendidas substâncias tidas pelo Ministério da Saúde por droga (cocaína, crack e cannabis sativa), sem autorização legal ou regulamentar;
- O magistrado consignou que a configuração do crime de tráfico de drogas independe da apreensão de droga, desde que haja elementos que comprovem a prática do crime, como é o caso dos autos;
- O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul manteve a condenação sob o argumento de que a ausência de apreensão de drogas não inviabiliza a configuração do crime de tráfico, notadamente quando outros elementos de convicção, tais como provas documentais e testemunhais, forem capazes de tornar induvidosa a respectiva prática criminosa;
- A Corte a quo ressaltou os relatos dos policiais civis no sentido de que não obtiveram êxito na apreensão de entorpecentes em poder dos réus, haja vista que estes, possivelmente, tiveram informações de que seriam cumpridos os respectivos mandados de busca e apreensão, da mesma forma que, em momento anterior, alguns deles souberam que estavam sendo interceptados.
2) O entendimento das Turmas criminais do STJ acerca do tema
No voto, o ministro Schietti fez um cotejo dos entendimentos existentes na Quinta e Sexta Turma.
- Na Quinta Turma, há uma tendência em se reconhecer como possível a condenação por crime de tráfico de drogas, mesmo quando não há apreensão de droga, desde que haja outros elementos aptos a comprovar a prática do delito, tais como depoimentos de testemunhas e provas obtidas por meio de interceptações telefônicas, observou;
- O ministro também invocou entendimentos dissonantes na própria Quinta Turma, que já entendeu ser imprescindível a apreensão de droga para a comprovação da materialidade do crime de tráfico;
- Em relação à Sexta Turma, ele consignou que os julgados mais recentes do Colegiado entendem ser imprescindível, para a demonstração da materialidade do crime de tráfico, a apreensão dos entorpecentes.
3) Precedentes da Terceira Seção sobre o tema
- Ao analisar as decisões enfrentadas pela Terceira Seção do STJ, Colegiado responsável por uniformizar o entendimento das Câmaras criminais da Corte, em relação ao tema, o ministro invocou alguns precedentes:
a) HC n. 350.996/RJ, em que a Terceira Seção reconheceu, à unanimidade, que o laudo toxicológico definitivo é imprescindível para a comprovação da materialidade dos delitos envolvendo entorpecentes;
b) EREsp n. 1.544.057/RJ, em que a Seção também assentou o entendimento de que a ausência do laudo toxicológico definitivo implica a absolvição do acusado;
- Ele fez questão de assentar que a ressalva no que tange à possibilidade de manutenção da condenação quando a materialidade estiver amparada em laudo preliminar de constatação, dotado de certeza idêntica à do definitivo, certificado por perito oficial e em procedimento equivalente, que possa identificar, com certo grau de certeza, a existência dos elementos físicos e químicos que qualifiquem a substância como droga;
- Em todos casos, no entanto, houve a apreensão de drogas, concluiu o ministro;
- Pelo raciocínio desenvolvido naquele julgamento por esta colenda Terceira Seção, também é possível depreender que nem mesmo em situação excepcional a prova testemunhal ou a confissão do acusado, por exemplo, poderiam ser reputadas como elementos probatórios aptos a suprir a ausência do laudo toxicológico, seja ele definitivo, seja ele provisório assinado por perito e com o mesmo grau de certeza presente em um laudo definitivo, ponderou.
3) O voto do ministro no HC 686.312-MS
- Quanto ao mértio, Schietti inicialmente ponderou que o artigo 33 da Lei 11.343/06 é norma penal em branco, de forma que por ser constituída de um conceito técnico-jurídico, só será considerado droga o que a lei (em sentido amplo) assim reconhecer como tal;
- Exemplificou a situação a partir de um caso hipotético em que um determinado traficante negocia por telefone a venda de cocaína com um terceiro. Diálogos captados por meio de interceptações telefônicas evidenciaram o ajuste de valores, a data e o local da entrega;
- Para a perfectibilização do tipo, é necessário mais do que isso: é necessário que a substância seja efetivamente apreendida e periciada, para que se possa identificar, com grau de certeza, qual é o tipo de substância ou produto e se ela(ele) efetivamente está prevista(o) na Portaria n. 344/1998 da Anvisa. Isso porque somente assim é que se terá a exatidão de que a substância negociada/vendida/entregue a consumo de terceiros é, de fato, cocaína, e não talco ou farinha, por exemplo, ponderou;
- Ele citou caso real ocorrido em Cuiabá/MG, em que um homem preso por tráfico foi liberado depois que o laudo pericial constatou que a substância apreendida era, na verdade, farinha.
- O ministro advertiu que a caracterização do crime de tráfico de drogas independe da apreensão de drogas na posse direta do agente. No caso dos autos, no entanto, não houve a apreensão de qualquer substância, seja em poder da paciente ou dos corréus;
- Vale dizer, apesar das diversas diligências empreendidas pela acusação, que envolveram o monitoramento dos acusados, a realização de interceptações telefônicas, a oitiva de testemunhas (depoimentos de policiais) etc., não houve a apreensão de droga, pressuposto da materialidade delitiva. Assim, mesmo sendo possível extrair dos autos diversas tratativas de comercialização de entorpecentes pelos acusados, essas provas podem caracterizar o crime de associação para o tráfico de drogas, mas não o delito de tráfico em si, pontuou.
- Ao funcionar como regra que disciplina a atividade probatória, a presunção de não culpabilidade preserva a liberdade e a inocência do acusado contra juízos baseados em mera probabilidade, determinando que somente a certeza pode lastrear uma condenação. A presunção de inocência, sob tal perspectiva, impõe ao titular da ação penal todo o ônus de provar a acusação, quer a parte objecti, quer a parte subjecti. Não basta, portanto, atribuir a alguém conduta cuja compreensão e subsunção jurídico-normativa, em sua dinâmica subjetiva – o ânimo a mover a conduta –, decorrem de avaliação pessoal de agentes do Estado, e não dos fatos e das circunstâncias objetivamente demonstradas, concluiu o ministro.
O voto foi seguido pelo restante dos ministros que compõem a Terceira Seção, sendo mantida, no entanto, a condenação pelo delito de associação para o tráfico.
Número: HC 686.312-MS.