O processo penal e a democracia estão sob ataque e as próximas linhas mostrarão a você que nós não estamos exagerando.
Em breve, a Câmara dos Deputados deverá analisar um projeto de autoria do ‘Deputado General Pazuello’ que, se aprovado, fulminará direitos e garantias fundamentais conquistadas a duras penas ao longo da história. Uma verdadeira máquina de moer pessoas (pouco importando se elas são culpadas ou inocentes).
Se você ainda está duvidando, daremos alguns exemplos antes de entrarmos em cada uma das absurdas mudanças que podem estar por vir.
O projeto:
- Revoga o artigo 3º-A, que prevê que o processo penal brasileiro terá estrutura acusatória;
- Revoga o inciso V do artigo 564, que prevê a nulidade de decisões não fundamentadas, permitindo que juízes cerceiem direitos e garantias fundamentais sem o dever de explicar as razões;
- Passa a permitir prisões preventivas de ofício e para qualquer delito (pouco importando o patamar de pena);
- Revoga todos os artigos que tratam do juiz de garantias;
- Revoga o artigo 28-A, responsável pela existência do acordo de não persecução penal;
A seguir, trataremos de cada uma das mudanças. Optamos por caracterizá-las por ordem de importância (muito embora quase todas as proposições sejam absurdas).
Fim do sistema acusatório
O Projeto de Lei 619/24, proposto por Pazuello, revoga o artigo 3º-A do Código de Processo Penal, que estabelece a estrutura acusatória do processo penal brasileiro.
Mais adiante, você também verá que o deputado propõe que prisões preventivas possam ser decretadas de ofício e que o juiz seja o protagonista da instrução.
Não se trata, portanto, de mera revogação de artigo, mas sim de extermínio consciente do sistema acusatório.
A revogação do artigo 3º-A está prevista no inciso artigo 10, I, do PL.
Fim do juiz de garantias
O referido PL 619/24 também extingue juiz de garantias ao propor a revogação dos artigos 3º-B, 3º-A, 3º-C, 3º-D, 3º-E e 3º-F.
A revogação está prevista nos incisos II, III, IV, V e VI do artigo 10 do PL.
Fim do acordo de não persecução penal
Se o PL for aprovado, o acordo de não persecução penal também deixará de existir, já o artigo 10, VII, prevê a revogação do artigo 28-A.
Revogação de todos os artigos que regulam a cadeia de custódia das provas
Pazuello propõe que os artigos 158-A, 158-B, 158-C, 158-D, 158-E e 158-F do Código de Processo Penal sejam revogados.
A cadeia de custódia da prova, importante ressaltar, existe para garantir a mínima confiabilidade das provas utilizadas para incriminar pessoas.
Prints fakes de Whatsapp, por exemplo, poderão ser utilizados no processo penal para incriminar pessoas caso o dispositivo seja aprovado.
Possibilidade de prisão preventiva para todos os crimes
Pazuello também propõe que a prisão preventiva possa ser decretada para qualquer crime, independente da pena cominada, “se existirem indícios de que o acusado vem praticando infrações penais de modo reiterado”.
Isso porque o artigo 8º do PL suprime o artigo 313, I, que prevê o requisito de ‘pena privativa de liberdade superior a 4 anos’ para a decretação da prisão cautelar.
O dispositivo possibilita, por exemplo, que uma pessoa acusada ou investigada por mais de um crime contra a honra possa ser presa preventivamente.
O projeto também estabelece que a prisão preventiva pode ser decretada “qualquer que seja a pena privativa de liberdade cominada, no caso de descumprimento de obrigação imposta por força de outra medida cautelar”.
Impossibilidade de prisão domiciliar para mulheres gestantes ou mãe de crianças presas por tráfico
A realidade do sistema de justiça criminal mostra que a grande maioria das mulheres presas no Brasil está presa em razão do crime de tráfico.
Não obstante, artigo 9º do PL 619/24 prevê que gestantes e mães de crianças nessa situação deverão permanecer dentro do cárcere.
Possibilidade de prisão preventiva de ofício e sem fundamentação
O PL prevê uma série de alterações que tornam possível a decretação da prisão preventiva de ofício.
O artigo 6º da proposição, por exemplo, altera o artigo 311 do CPP para suprimir a sentença “requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”, deixando somente o trecho que diz que “em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz”.
A proposição também acaba, por exemplo, com o § 2º, que prevê que as medidas cautelares só poderão ser decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou por representação do delegado e com o § 6º, que prevê que a prisão preventiva só será decretada se as medidas cautelares dela diversas forem insuficientes.
O PL também extingue o artigo 315, que determina que a decisão que decretar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada.
O inciso XX do referido artigo 10 do projeto também prevê a revogação do artigo 316, que estabelece que o juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva quando verificar a falta de motivo para que ela subsista.
Por fim, o artigo 10, XV, do PL prevê a revogação de todos os parágrafos do artigo 282 do Código de Processo Penal, que trata das medidas cautelares.
Possibilidade de decretação da prisão preventiva como antecipação de pena
O projeto apresentado também pretende revogar os parágrafos 1º e 2º do artigo 313, permitindo, assim, que a prisão preventiva seja decretada como antecipação de pena e como decorrência imediata de investigação criminal ou de apresentação ou recebimento da denúncia. Hoje, os dispositivos preveem que a preventiva não pode ser decretada com base nessas justificativas.
Também será revogado o dispositivo que prevê que o preso deverá ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação nas hipóteses em que a preventiva for decretada apenas para esse fim.
Revogação do dispositivo que determina que o juiz relaxe prisão ilegal
Já o artigo 5º do PL 619/24 altera a redação do artigo 310 do Código de Processo Penal, suprimindo, por exemplo, o inciso I do referido artigo, que prevê que o juiz deve relaxar de imediato a prisão em flagrante quando ela for ilegal.
O termo “liberdade provisória”, caso o PL seja aprovado, também será suprimido.
Fim das audiências de custódia
O artigo 10, XVI, do PL 619/24 também suprime os §§ 3º e 4º do art. 310 do Código de Processo Penal, extinguindo a possibilidade de responsabilização da autoridade que dá causa à não realização de audiência de custódia e da ilegalidade da prisão em caso de não realização da audiência de apresentação.
Possibilidade de decisões não fundamentadas
No inciso VII do artigo 10 da proposição, está prevista a revogação do §5 do art. 157 do CPP, extinguindo, assim, a possibilidade de reconhecimento de nulidade quando a decisão judicial não for fundamentada.
Se o dispositivo for aprovado, portanto, decisões que restringem liberdades ou condenam pessoas não poderão ser anuladas “somente” com base nesse fundamento.
Juiz protagonista da instrução
A proposição do deputado Pazuello também altera o artigo 212 do Código de Processo Penal, que prevê que as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, cabendo ao juiz somente complementar a inquirição.
A nova redação do artigo proposta pelo deputado é a seguinte: “as perguntas serão formuladas diretamente à testemunha, inclusive pelas partes, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida”.
Ou seja: se aprovado, o dispositivo fulminará a imparcialidade do magistrado, permitindo que ele participe ativamente da produção da prova. Defesa e acusação podem até perguntar, mas o protagonista da instrução será o juiz.
Possibilidade de prisão em segunda instância
Outra mudança proposta pelo deputado no PL 619/24 é a possibilidade de execução provisória da pena quando a condenação for mantida ou determinada pela segunda instância.
O dispositivo altera o artigo 283 do CPP, que passará a ter a seguinte redação:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal mantida ou determinada pela segunda instância processual.
Impossibilidade de concessão de efeito suspensivo à apelação no caso de réu condenado pelo júri a pena igual ou superior a 15 anos
a) Revogação dos §§ 5º e 6º do art. 492, que preveem a possibilidade de concessão de efeito suspensivo à apelação no caso de réu condenado pelo tribunal do júri a pena igual ou superior a 15 anos.
Como você pôde ver, o projeto de lei apresenta uma série de atecnias e suprime diversos direitos e garantias fundamentais que protegem principalmente o inocente.
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