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Hebert Freitas

Hebert Freitas é coordenador do Síntese Criminal e advogado pela Universidade Federal Fluminense. Siga no Twitter/X: @freitashebert_

CONFISSÃO E ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL: COISAS BÁSICAS QUE VOCÊ DEVE SABER

Listamos tudo o que você DEVE saber sobre o elemento mais polêmico e perigoso do Acordo de Não Persecução Penal: a necessidade de confissão.

O Acordo de Não Persecução Penal, novo instituto a serviço da justiça penal negociada brasileira, tem a confissão (formal e circunstancial) da prática de infração penal por parte do acusado como requisito indispensável para a sua celebração.

Neste artigo, procuramos destrinchar a confissão no Acordo de Não Persecução Penal, fazendo uma leitura sistemática do tema desde a sua (in)constitucionalidade até o procedimento para a sua realização. 

Leia também: “Acordo de Não Persecução Penal: o que acontece se o Ministério Público não oferecer?”.

A necessidade de confissão no Acordo de Não Persecução Penal, importante dizer, está descrita logo no caput do artigo 28-A do Código de Processo Penal da seguinte maneira:

Art. 28-A  Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

Aqui, sem dúvida alguma, reside a maior discussão acerca do tema.

Isso porque a Constituição de 1988 prevê em seu texto um dos princípios mais importantes do Processo Penal, qual seja, o direito ao silêncio (artigo 5º, inciso LXIII).

Neste primeiro momento, precisamos que você reflita sobre 3 pontos:

  1. Segundo os críticos da exigência de uma confissão formal, nela restariam violados preceitos constitucionais (como abordamos acima) e internacionais (artigo 8, inciso II, alínea ‘g’, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo), sendo esta, por si só, uma violação;
  2. Existe uma distância considerável entre o que é certo e o que é praticado. Explicamos: há a possibilidade de o acordo ser rompido, continuando normalmente o processo, portanto, ainda que a confissão realizada, em tese, não possa servir como prova para eventual processo, é certo que a mesma acabaria influenciando o magistrado;
  3. Qual a justificativa plausível para a necessidade da confissão, sendo que esta sequer poderá ser usada como prova ou como elemento apto a ser usado na sentença?

Bem verdade que esse último item, por mais curioso que isso possa parecer, é objeto de divergência entre os doutrinadores.

Antes de abordá-la, no entanto, é preciso deixar claro que após a regularização do Juiz das Garantias, os autos do Inquérito Policial, do ANPP, etc, não serão remetidos ao juízo da instrução.

Mazloum entende que o descumprimento do acordo não valida a confissão como prova porque não há processo ainda, aplicável a regra do artigo 155 do CPP.

Já Renato Brasileiro diverge, ressaltando que desde que o investigado seja formalmente advertido quanto ao direito de não produzir prova contra si mesmo e não seja constrangido a celebrar o acordo, parece não haver nenhuma incompatibilidade entre esta primeira obrigação do investigado e o direito ao silêncio.

Entendemos, com a devida vênia ao professor Renato, que a posição mais acertada é a de Mazloum, visto que a situação, aqui, se assemelha à da Colaboração Premiada, onde a confissão não poderá ser usada em desfavor do colaborador.

Neste mesmo sentido vai a posição de Rogério Sanches, que entende que apesar de pressupor sua confissão, não há reconhecimento expresso de culpa pelo investigado. Há, se tanto, uma admissão implícita de culpa, de índole puramente moral, sem repercussão jurídica. A culpa, para ser efetivamente reconhecida, demanda o devido processo legal.

A questão é espinhosa, mas temos que é nela onde se encontra o ponto principal da questão: 

Caso a posição majoritária caminhe no sentido de determinar que a confissão realizada servirá como prova, haverá substancial inconstitucionalidade da exigência, posto que o acusado terá confessado sem a voluntariedade necessária para chancelar seu uso como prova.

Caso seja determinado que a confissão não poderá ser utilizada em eventual ação penal decorrente da quebra de alguma das cláusulas do acordo, haverá nítido esvaziamento da necessidade, sendo certo que a única consequência de tal exigência será a influência negativa exercida no magistrado.

Portanto, nos parece que não há como salvar a exigência de confissão existente no Código de Processo Penal, visto que a inconstitucionalidade a acompanhará independente do caminho que siga.

De qualquer sorte, um detalhe deve ser observado. A confissão deve ser circunstancial, e não circunstanciadamente, ou seja: o imputado não precisará entrar em detalhes, nem dizer coisas que não sejam objeto do caso que está sendo objeto de negociação.

Aqui, vale a orientação de Alexandre Morais da Rosa, que declara:

“Na prática, recomendamos que o jogador se atente à redação das cláusulas do acordo e negocie a fim de nele incluir uma cláusula dizendo que não será possível se valer da confissão para nenhum outro fim além da formalização do ANPP”

Um aspecto que deverá ser considerado já no início das negociações é o direito que todo indivíduo tem de saber tudo o que foi documentado durante o Inquérito Policial, de forma que o Estado deve deixar claro os elementos incriminadores que possui.

É preciso evidenciar, também, que a inexistência de confissão antes da formação da opinio delicti não impede o oferecimento do ANPP.

Ademais, é preciso que você entenda, sobretudo dentro do âmbito da justiça penal negociada, que existem incontáveis elementos que influenciam nas tomadas de decisões.

Um ponto que precisa ficar claro é o fato de que mesmo no Acordo de Não Persecução Penal deverá se respeitar a presunção de inocência.

A importância de se levar a sério os aspectos extra processuais (blefes, ocultação de provas favoráveis à acusação, pressão psicológica, etc), aqui, aumenta consideravelmente, pois a pressão do acusador para forçar a realização rápida de uma acordo pode estar revestida de ausência de elementos probatórios mínimos.

Surge aqui, portanto, a necessidade de se levar em conta conceitos como o da “dúvida razoável” (muito presente no direito norte-americano), que, de maneira rasa, poderia ser exemplificada com a obrigatoriedade de indícios mínimos de autoria e materialidade para oferecimento da denúncia.

A defesa e o imputado devem se atentar à estratégia do Promotor de Justiça, pois a existência de uma confissão pode resultar na ressurreição de um caso que seria arquivado.

O Código de Processo é muito claro em relação à necessidade inegociável de elementos mínimos para o oferecimento do acordo quando prevê, logo na primeira linha do artigo que regula o ANPP, que a investigação não pode ser caso de arquivamento.

Para começar a pensar em acordo, deverá haver elementos que indiquem a existência de um crime, assim como qual foi o delito, quais foram as circunstâncias e quem foi o autor.

Pensar em certeza induvidosa, aqui, é pura inocência, mas duas coisas são certas: o ponto de partida do Estado deve ser sempre a presunção de inocência e para a celebração do Acordo de Não Persecução Penal faz-se necessária uma certeza além da dúvida razoável.

As discussões acerca do Acordo de Não Persecução Penal, apesar de robustas, ainda são precoces e inconclusivas, já que a segurança acerca de qualquer tema jurídico só é possível após o decurso de tempo.

Apesar dos problemas advindos de um instituto neófito, no entanto, já é possível identificar aquele que deverá ser enfrentado pela doutrina e jurisprudência com maior energia é o da necessidade de confissão como requisito mínimo para a celebração do acordo.

Como já ressaltado, cremos que tal previsão não se justifica no plano prático (menos ainda no teórico), de modo que sua existência acaba por minar um mecanismo importante que veio para otimizar os resultados do processo penal.

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