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Hebert Freitas
Hebert Freitas é coordenador do Síntese Criminal e advogado pela Universidade Federal Fluminense. Siga no Twitter/X: @freitashebert_

Decisão de Moraes de só intimar oficialmente as testemunhas da acusação nos processos do 8 de janeiro é arbitrária

Ao diligenciar ativamente para levar apenas as testemunhas de Ministério Público a juízo, magistrado demonstra, ainda que inconscientemente, um viés pró acusação
Imagem: reprodução.

O ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos relacionados aos atos golpistas do 8 de janeiro no Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a intimação oficial apenas das testemunhas indicadas pela acusação. As defesas dos réus do chamado “Núcleo 1” deverão apresentar suas testemunhas diretamente nas audiências, sem intimação judicial.

A determinação, além de burla processual, configura cerceamento de defesa e flagrante afronta ao princípio da paridade de armas. O prejuízo para a defesa é evidente.

Quando o juiz, utilizando a estrutura e a força do Estado (o oficial de justiça, o sistema de intimações), garante a convocação das testemunhas de acusação, mas nega o mesmo tratamento às testemunhas de defesa, cria-se um desequilíbrio flagrante. A acusação (Ministério Público ou querelante) recebe um tratamento privilegiado, enquanto a defesa é sobrecarregada com uma tarefa que, ordinariamente, compete ao aparato judicial.

Ao diligenciar ativamente para levar as testemunhas de acusação a juízo, mas não as de defesa, aliás, o magistrado demonstra um claro viés pro-acusação, abandonando sua posição de neutralidade. Tal conduta se assemelha mais a uma postura inquisitorial, onde o juiz assume tarefas investigatórias ou de auxílio a uma das partes.

A conduta de um juiz que determina a intimação oficial apenas das testemunhas de acusação, exigindo que a defesa se encarregue pessoalmente da intimação das suas, é manifestamente ilegal e inconstitucional.

Ela fere de morte a paridade de armas, compromete a imparcialidade judicial essencial ao sistema acusatório e configura cerceamento de defesa, passível de gerar a nulidade dos atos processuais subsequentes. O correto procedimento impõe que, uma vez arroladas tempestivamente e admitidas pelo juízo, as testemunhas de ambas as partes sejam intimadas pelos meios oficiais, garantindo-se a igualdade de tratamento e a efetividade do direito à prova.

Como já decidiu a Quinta Turma do STJ, “o indeferimento do pedido da intimação de testemunhas de defesa pelo juízo criminal baseada unicamente na ausência de justificativa para a intimação pessoal, previsto no art. 396-A do CPP, configura cerceamento de defesa e infringe os princípios do contraditório e da ampla defesa” (REsp n. 2.098.923/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/5/2024, DJe de 28/5/2024.

Importante também ressaltar as palavras do ministro Ribeiro Dantas, que ao julgar o recentíssimo REsp 2158127, pontuou que a iniciativa do juiz de intimar formalmente somente para as testemunhas da acusação “traz ônus à ampla exposição das teses dos réus e limita a utilização de alternativas formais a compelir a testemunha a comparecer à audiência” e demonstra “tratamento facilitado ao exercício da acusação, em ofensa da isonomia na relação processual.

No caso concreto ainda há um aspecto que deixa a situação ainda pior: o fato de a determinação ter partido por um ministro do Supremo Tribunal Federal, Corte que tem a árdua e nobre missão de zelar pelo cumprimento da Constituição Federal.

Além disso, há um risco enorme de efeito cascata, já que as instâncias inferiores contarão com o precedente da suprema corte do país.

Por respeito ao devido processo legal e às garantias fundamentais previstas na Constituição, a determinação deveria ser revista, seja de ofício pelo relator ou por determinação dos demais ministros que compõem a Primeira Turma.

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