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Durante 7 dias, 7 acórdãos/teses/precedentes paradigmáticos para a defesa deverão ser lidos. O tema do primeiro desafio é ‘revogação de prisões preventivas e medidas cautelares diversas’. Vamos juntos?

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Hebert Freitas

Hebert Freitas é coordenador do Síntese Criminal e advogado pela Universidade Federal Fluminense. Siga no Twitter/X: @freitashebert_

Desrespeito ao lockdown: afinal, todos os crimes admitem prisão em flagrante?

Com a decretação de lockdown em várias cidades brasil afora, uma pergunta surge: todos os crimes admitem prisão em flagrante?

Com a alta (inacreditável, mas real) dos casos graves e de mortes decorrentes da pandemia de Covid-19 no Brasil, um tema polêmica voltou a dominar os espaços de discussão e o plano estratégico dos gestores públicos Brasil afora: a decretação de lockdown como medida de contenção dos danos.

Deixo para os profissionais da área de saúde, por motivos óbvios, a análise acerca da necessidade da medida, mas parece-me necessário tecer alguns comentários acerca de um ponto: a ameaça de prisão existente na maioria dos decretos municipais.

Afinal, a prisão em flagrante é realmente cabível em todos os crimes previstos na legislação brasileira?

Há um equívoco (e digo isso ombreado por gente de vulto, como é o caso dos mestres Carnelutti e Aury Lopes Jr.) na classificação de parte da doutrina, que atribui à prisão em flagrante a natureza de “prisão cautelar”.

Na verdade, o flagrante nada mais é do que a ação que um indivíduo promove em face de um delito que está sendo cometido naquele momento.

Assim, se um indivíduo se depara com o furtador dentro de sua residência e decide prendê-lo, ele estará amparado pela legislação pátria, já que fazer cessar a prática de um crime, além de um direito que ele tem por ser vítima, é um meio legítimo de promoção da “pacificação social”.

A prisão em flagrante não é cautelar, mas sim “pré-cautelar”, visto que a sua existência objetiva a cessão de uma atividade delituosa, e não de garantir eventual resultado final do processo.

Guarde essas informações, pois ao final tudo fará sentido.

Aqui, as ideias já começam a clarear.

Veja: conforme a maioria dos decretos municipais que instituem o lockdown – e segundo diversos especialistas Brasil afora -, a prisão em flagrante dos descumpridores se justificaria, visto que estes estariam incorrendo nos crimes previstos nos artigos 268 (infração de medida sanitária preventiva), com pena de detenção que pode variar de um 01 mês a 01 ano, e 330 (crime de desobediência), cuja pena máxima é de 06 meses.

Eis aqui o primeiro problema.

Conforme a  Lei 9.099/95, são consideradas de menor potencial ofensivo as infrações penais (e também as contravenções penais) com pena máxima não superior a 02 anos, devendo eventuais ações penais decorrentes destas tramitarem perante o Juizado Especial Criminal.

Consoante, ainda,  a referida Lei (artigo 69, parágrafo único), não se imporá prisão em flagrante, nem fiança, ao autor do fato que for imediatamente encaminhado ao juízo ou assumir o compromisso de a ele comparecer.

Ou seja: nas infrações de menor potencial ofensivo, em regra, não existirá prisão em flagrante, a não ser que o autor do fato não seja encaminhado ao juízo ou que não preste o compromisso de a ele comparecer.

Portanto, por regra expressamente prevista na “Lei do JECRIM”, a prisão em flagrante decorrente do cometimento dos crimes previstos nos artigos 268 e 330 do Código Penal, em regra, é impossível.

Mas vamos além.

Como já ressaltei no primeiro item, a prisão em flagrante é “pré-cautelar”, devendo o juiz, conforme mandamento do Código de Processo Penal (artigo 310), relaxá-la quando ela for ilegal, convertê-la em preventiva quando presente os requisitos do artigo 312, ou conceder liberdade provisória. com ou sem fiança.

É de se observar, ainda, que conforme o artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, a prisão preventiva só poderá ser decretada nos crimes dolosos com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 anos.

Há, também, o fato de que um indivíduo que comete as infrações já citadas dificilmente (a não ser em hipóteses remotíssimas), se condenado, cumpriria sua pena em regime fechado, sendo essa conclusão possível a partir de dois motivos:

  1. A pena para os crimes é a de detenção, que só poderá ser cumprida, conforme a redação do artigo 33 do Código Penal, em regime semi-aberto ou aberto;
  1. O indivíduo, muito provavelmente, não ficaria no cárcere um dia sequer, já que o artigo 33, § 2º, alínea ‘c’, do Código Penal prevê que o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 04 (quatro anos) poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime aberto.

Sendo assim, prender alguém em flagrante por crimes de menor potencial ofensivo revela-se manifestamente desproporcional, já que seria uma punição muito mais grave que uma eventual sentença penal condenatória.

Forçoso concluir, portanto, que a prisão de um indivíduo que desrespeita uma “ordem de lockdown” é inaceitável, salvo raríssimas exceções, configurando tal ato um manifesto abuso de poder por parte do Estado.

Necessário observar, no entanto, que o mesmo ainda pode ser “punido” administrativamente (multa, por exemplo).

O que considero inaceitável, necessário evidenciar, é o uso do direito penal, ferramenta mais agressiva à disposição do Estado, para cercear a liberdade de um indivíduo por um ato ilícito com uma pena baixa.

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