O fato de drogas terem sido encontradas nas partes íntimas de uma mulher após revista íntima (agachamento) em presídio é suficiente para anular as provas colhidas e absolvê-la?
Para a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, sim.
Em decisão paradigmática, a ministra não só concedeu habeas corpus para absolver uma mulher acusada por tráfico em São Paulo, como também ressaltou que o procedimento de revista íntima é inconstitucional.
O que aconteceu?
- Segundo os autos, a acusada foi flagrada com 25 gramas de maconha embalada em papel alumínio ao tentar ingressar em um presídio em São Paulo.
- Os entorpecentes teriam sido encontrados após a submissão da ré ao procedimento de agachamento (no qual a mulher é obrigada a tirar toda a roupa e se agachar diante de agentes penitenciários).
- Os agentes teriam notado “a presença de algo” nas partes íntimas da mulher e pedido para que ela retirasse. A denúncia foi oferecida e ela acabou condenada.
- A Defensoria Pública, irresignada, requereu o reconhecimento da ilicitude das provas, mas o juízo de primeira instância, o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Superior Tribunal de Justiça negaram.
- A defesa, então, impetrou habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal.
A decisão da ministra
- Inicialmente, Cármen Lúcia pontuou que a Lei 15.552/14, de São Paulo, proíbe a realização de revista íntima nos visitantes dos estabelecimentos prisionais, estabelecendo que a revista deve ser executada por meio de scanners corporais, detectores de metais, aparelhos de raio X ou outras tecnologias que preservem a integridade física, psicológica e moral do visitante revistado.
- A ministra observou que, no caso, que a suspeita da existência de drogas surgiu após a submissão da ré ao agachamento.
- Para Cármen, a retirada de porção de maconha da vagina da acusada não reveste de legalidade um procedimento ilegal, não se podendo falar em consentimento na situação.
- “Não há voluntariedade nesse procedimento seguido de entrega de drogas, sendo eventual consentimento inválido, considerando a situação e a vulnerabilidade evidente no caso concreto”.
A inconstitucionalidade do procedimento de revista íntima
- A ministra também pontuou que a revista íntima é inconstitucional por violar os princípios da não-autoincriminação; intranscendência das penas e da presunção de inocência.
- “Além de significar afronta aos direitos fundamentais à intimidade, à vida privada e à honra (inc. X do art. 5º da Constituição da República) e também ao postulado fundamental da dignidade da pessoa humana (inc. III do art. 1º da Constituição da República)”, continuou.
Prova ilícita
- Ao conceder a ordem, Cármen pontuou que “não se mostra razoável, após o acionamento do detector de metais, que se procedesse à revista íntima da paciente, o que caracteriza meio de obtenção de prova ilícito, eivando de ilegalidade a apreensão das drogas”.
- “Eventual consentimento não pode ser considerado válido, face à desproporção entre o poderio estatal e uma mulher de baixa renda, baixa escolaridade e vulnerabilizada, tentando visitar um familiar na penitenciária, que foi compelida a agachar e retirar a porção de maconha que guardava nas partes íntimas”, arrematou a ministra.
Decisão paradigmática e obtida com exclusividade pelo Síntese Criminal.
Referência: Habeas Corpus 243218.