Em decisão paradigmática, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu os embargos opostos pela defesa de um homem acusado na “Operação Alquimia” para reconhecer a suspeição da magistrada responsável pelo caso. No caso, a Turma não só reconheceu o protagonismo ilegal da juíza durante a instrução, como também concluiu que determinados comportamentos adotados pela magistrada indicavam a perda da imparcialidade.
O que aconteceu
Na oportunidade, se discutia a suspeição de uma magistrada responsável pela chamada “Operação Alquimia”, que apura a suposta ocorrência dos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e extorsão em Sorocaba/SP.
- A atuação ilegal da magistrada já havia sido reconhecida duas vezes. A primeira pelo Supremo Tribunal Federal e a segunda pelo próprio STJ. Nas duas oportunidades, se entendeu que a magistrada protagonizou ilegalmente a inquirição das testemunhas na audiência de instrução. A juíza também chegou a sugestionar as respostas das testemunhas e a ofender a banca defensiva.
- Durante uma audiência, a juíza responsável pelo caso chegou a realizar 257 questionamentos, enquanto acusação e defesa, juntas, perguntaram 107 vezes.
- Além disso, a magistrada teria, em diversos momentos, sugestionado questionamentos, praticamente induzindo as testemunhas.
- Embora a atuação já tivesse sido repreendida pelas Cortes superiores inclusive com a anulação dos processos, a juíza foi mantida na condução do feito, o que motivou um novo um novo habeas corpus em que a defesa postulou a suspeição e o afastamento da julgadora do caso.
A decisão da Sexta Turma
Inicialmente, a Sexta Turma, sob relatoria do ministro Sebastião Reis Jr., havia concluído que o reconhecimento do protagonismo do magistrado na inquirição de testemunhas – que é proibido pelo artigo 212 do Código de Processo Penal -, não seria suficiente para demonstrar a suspeição de um magistrado. Na oportunidade, o ministro Rogério Schietti, que entendeu que a quebra da imparcialidade já havia ocorrido, ficou vencido.
- A defesa, irresignada, opôs embargos. Na peça, os defensores demonstraram, além das ilegalidades praticadas durante a instrução, que a magistrada desconsiderou testemunhas defensivas e chegou a chamar a defesa de “deplorável” e “premeditada”.
- Os argumentos sensibilizaram os ministros da Sexta Turma, que concluíram que a juíza, dada a parcialidade, deveria ser afastada do processo sob julgamento.
- “A defesa demonstra que houve sugestionamento de respostas, o que ficou evidenciado no voto vencido proferido pelo eminente Ministro Rogerio Schietti Cruz, quando do julgamento do agravo regimental. E, assim como o colega, constatei que algumas perguntas mais pareceram afirmações do que questionamentos, o que entendo ser capaz de gerar influência indevida na colheita de provas”, destacou inicialmente o relator, ministro Sebastião Reis Jr.
- “Além disso, o embargante relata descomedimentos e exageros ocorridos em audiência. Tais fatos demonstram certa arbitrariedade da magistrada, sugestionando a sua perda da parcialidade, o que é inadmissível aos julgadores, pois a exigência de imparcialidade constitui um dos pilares estruturantes do Estado”, continuou o relator.
- Reis também pontuou que o rol de hipóteses de suspeição previsto no artigo 254 do Código de Processo Penal não é taxativo: “relembro que as hipóteses previstas no art. 254 do Código de Processo Penal são exemplificativas”.
- O relator também invocou o artigo 8º do Código de Ética da Magistratura, que prevê que “o magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evitar todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.
- “Assim, diante do contexto trazido nos autos, especialmente, o excessivo protagonismo exercido, e certos exageros, entendo que os atos perpetrados pela Magistrada não conferem a total imparcialidade nem a certeza de que o julgamento seria destituído de predisposição e de preconceito quanto à culpabilidade do ora embargante, sendo imperioso assegurar ao réu o direito fundamental de ser julgado por juiz absolutamente isento, que possa analisar o litígio com o distanciamento necessário”, arrematou.
Assim, os embargos foram acolhidos com efeitos infringentes para reconhecer a suspeição da magistrada e determinar que o Tribunal de Justiça de São Paulo designe outro julgador para assumir o processo.
O resultado expressivo foi obtido pelos advogados Victor Hugo Anuvale e Jessica Araújo, membros do Projeto Concedo da Ordem, maior projeto de monitoramento defensivo do país.
Referência: EDcl no AgRg no HC 763.021.