O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, concedeu habeas corpus para reconhecer a retroatividade do art. 28-A do CPP para oportunizar ao Ministério Público a propositura do acordo de não persecução no caso de um homem acusado por furtos em Santa Catarina. Na decisão, o ministro pontuou que apesar de já terem sido proferidos a sentença e o acórdão condenatórios, o feito ainda estava em curso quando a Lei 13.964/19 entrou em vigor.
Vejamos os principais pontos da decisão do ministro:
O impacto positivo do acordo de não persecução penal no desafogamento do Poder Judiciário
“Trata-se de uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro que, assim como a transação penal e a suspensão condicional do processo, privilegia a justiça consensual e, certamente, impactará de forma positiva no sistema de justiça penal, na medida em que mitiga o princípio da indisponibilidade da ação penal nos casos de crimes de médio potencial ofensivo, quando atendidos os requisitos legais. Além de contribuir com o desafogamento do Poder Judiciário e com a economia processual, esse mecanismo negocial garante a recomposição do dano provocado à vítima e à sociedade.
Desde a vigência da Lei 13.964/2019 (23.01.2020), esta Corte tem recebido inúmeros habeas corpus e recursos ordinários em habeas corpus por meio dos quais o jurisdicionado requer a aplicação do art. 28-A do CPP, argumentando, como no presente caso, que a natureza mista da norma em comento (material-processual) impõe sua incidência retroativa, em obediência à garantia prevista no art. 5º, XL, da Constituição Federal.”
O precedente do STF
“Diante da envergadura da matéria e da multiplicidade de demandas, o eminente Ministro Gilmar Mendes, em boa hora, afetou o tema ao Pleno, nos autos do HC 185.913/DF. Não obstante, sem prejuízo de oportuna análise verticalizada da matéria pelo colegiado maior desta Suprema Corte, levei a questão ao escrutínio da Segunda Turma, no HC 220.249/SP (Sessão virtual de 09.12.2022 a 16.12.2022), por entender que a natureza da ação e suas implicações jurídicas exigem uma prestação jurisdicional célere, a fim de não esvaziar o próprio direito ou a pretensão punitiva estatal (seja pelo cumprimento integral da pena, seja pelo reconhecimento da prescrição).
Ao proclamar o voto no HC 220.249/SP, inicialmente esclareci que, em temática similar à dos autos (em que se pretendia a aplicação retroativa do art. 171, § 5º, do CP, com a redação introduzida pela Lei 13.964/2019), a Segunda Turma reconheceu a natureza mista da norma e assentou que tais preceitos, quando favoráveis ao réu, devem ser aplicados de maneira retroativa em relação a fatos pretéritos enquanto a ação penal estiver em curso, nos termos do que dispõe o art. 5º, XL, da CF (HC 180.421/SP, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 06.12.2021).
Como ressaltei naquela ocasião, a expressão “lei penal” contida no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal deve ser interpretada como gênero. Dessa forma, a expressão deve abranger tanto leis penais em sentido estrito quanto leis penais processuais que disciplinam o exercício da pretensão punitiva do Estado (como, por exemplo, aquelas relativas ao direito de queixa ou de representação, à prescrição ou à decadência, ao perdão ou à perempção, a causas de extinção de punibilidade) ou que interferem diretamente no status libertatis do indivíduo (como, por exemplo, admissão de fiança, alteração das hipóteses de cabimento de prisão cautelar). Essas normas, quando beneficiarem o réu, devem retroagir, nos termos do dispositivo constitucional em comento.”
A retroatividade do acordo de não persecução penal
“A meu ver, ao acordo de não persecução penal deve ser aplicada idêntica interpretação, pois o caráter híbrido da norma (materialprocessual) é evidente. Embora inserida no Código de Processo Penal, consiste em medida despenalizadora, que atinge a própria pretensão punitiva estatal. Conforme explicita a lei, o cumprimento integral do acordo importa extinção da punibilidade, sem caracterizar maus antecedentes ou reincidência.
Com efeito, o recebimento da denúncia ou mesmo a prolação da sentença não esvaziam a finalidade do ANPP, pois a sua celebração evita prisão cautelar, condenação criminal e seus efeitos (cumprimento de pena, reincidência, maus antecedentes, etc) e o próprio processo (com todas as fases recursais). Tais marcos processuais não excepcionam a garantia constitucional de retroatividade da lei mais benéfica, mesmo sob o argumento da utilidade do instituto para o órgão de acusação. Ora, o critério da utilidade deve ser visto sob a óptica de todo o sistema de justiça criminal e dos atores envolvidos, incluindo aqui a vítima e o acusado.”
A decisão no caso concreto
“No presente caso, o Tribunal de origem deixou expressamente assentado que “não há como ser acolhido o pedido de sobrestamento e remessa dos autos ao juízo de primeiro grau para a análise da possibilidade de acordo de não persecução penal – ANPP, na forma da Lei n. 13.964/19, no caso, uma vez que o feito já se encontra em fase recursal, com condenação do ora embargante pelas condutas tipificadas nos arts. 155, § 4º, incisos I e IV, e art. 155, § 4°, incisos I e IV, na forma do art. 14, inciso II, na forma do art. 71, todos do Código Penal” .
Sendo assim, apesar de já terem sido proferidos a sentença e o acórdão condenatórios, o feito ainda estava em curso quando a Lei 13.964/2019 entrou em vigor. Desse modo, imperativo é o reconhecimento do efeito retroativo do art. 28-A do CPP.”
Número da decisão: ARE 1419411 / SC.
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