Juiz não pode inquirir testemunhas na ausência do promotor

Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça decretou nulidade de processo em que juiz ignorou ausência do promotor de justiça em audiência de instrução e protagonizou a produção da prova
Foto: Rafael Luz / STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso especial para anular um processo que apurava crimes de responsabilidade supostamente praticados por um prefeito do Rio Grande do Sul.

No caso, a audiência de instrução e julgamento foi protagonizada pelo magistrado condutor do processo, que ignorou a presença do representante do Ministério Público e fez as vezes da acusação, fazendo todas as perguntas do ato.

No recurso, a defesa pontuou que a audiência (ocorrida em 2013) foi efetivada pelo mesmo juiz que proferiu a sentença, sendo clara a confusão entre o acusador e o julgador.

Os advogados também pontuaram que os depoimentos colhidos durante o ato foram essenciais para a compreensão do magistrado, inclusive sendo amplamente reproduzidos como citação da sentença, o que configurou prejuízo ao réu.

Das 42 páginas da sentença condenatória, cerca de 19 páginas completas são apenas de transcrição dos depoimentos, pontuou o recorrente.

O voto do relator

Ao analisar os argumentos do recorrente, o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, consignou que o não comparecimento do Ministério Público à audiência de instrução não dá à autoridade judicial a liberdade de assumir as funções precípuas do órgão.

Em face da repreensível ausência do Parquet, que, sem qualquer justifica, acarretou a contaminação do bom andamento do processo, o órgão julgador deveria prosseguir a audiência sem as perguntas acusatórias ou, então, suspender a audiência e marcar uma nova data, destacou o relator.

O ministro também advertiu que o prejuízo estava evidente, já que a sentença considerou fundamentos extraídos da audiência ao fundamentar a sentença condenatória.

Dessa forma, impõe-se a anulação de todo o processo a partir da referida audiência, arrematou.

O voto-vogal do ministro Rogério Schietti

Ao ponderar sobre o caso, o ministro Rogério Schietti Cruz consignou que o juiz de direito fez as vezes do Promotor de Justiça e, mais do que permitir que as pessoas ouvidas contassem o que ocorreu, formulou perguntas, para além daquilo que pode ser admitido a título de esclarecimento ou complementação.

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

E mais importante: o ministro também pontuou que a concordância do advogado do acusado em realizar a referida audiência à época não afastaria a nulidade, tendo em vista que a desobediência à formalidade estabelecida pelo Código de Processo Penal.

"Nesse cenário, apesar de o advogado constituído pelo acusado haver concordado com a realização da audiência e permitido que o ato se realizasse, sem suscitar nenhum vício, mesmo sem a presença de membro do Ministério Público, entendo que, de fato, houve expressiva desobediência de formalidade estabelecida pelo legislador, que influiu na apuração da verdade substancial (art. 566 do Código de Processo Penal) e no próprio sistema acusatório".

A atuação do juiz foi grave a ponto de comprometer o devido processo legal, sendo evidente e intuitivo o prejuízo ao réu, na medida em que foi condenado sem a intervenção de um dos sujeitos do processo (órgão acusador) e com base em provas não produzidas sob o crivo do contraditório, esclareceu Schietti.

Nesse contexto, não há espaço para discutir a convalidação do ato por falta de insurgência da defesa. Em uma compreensão sistêmica do direito, até para que a estrutura do sistema acusatório seja restabelecida em processos futuros, deve ser reconhecido o vício processual, pois houve expressiva desobediência de fórmula legal, grave a ponto de comprometer o devido processo legal. O prejuízo ocasionado ao réu é manifesto, sendo ociosa qualquer tentativa de demonstração, disse Schietti.

Partilhando dessa compreensão, constato que o Juiz extrapolou seus poderes instrutórios, ao exercer, com protagonismo, a iniciativa das perguntas que deveriam ser formuladas pelo titular da ação penal, ausente na audiência; evidente e intuitivo, pois, o prejuízo ao réu, na medida em que se sobrepuseram, em um mesmo sujeito processual e durante toda a instrução, as funções de acusar e julgar, arrematou o ministro.

Assim, o voto do ministro Sebastião Reis foi seguido à unanimidade para reconhecer a nulidade e anular o processo desde a audiência.

Número do recurso: Recurso Especial 1846407 – RS.

Clique aqui para acessar a íntegra do acórdão.

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