Pessoas que fazem o mesmo pedido de aplicação retroativa do acordo de não persecução penal, hoje, tem destinos diferentes no Supremo Tribunal Federal. O fato ocorre, pois as duas Turmas da Suprema Corte tem entendimentos dissonantes em relação ao tema.
Em 23/9/2020, o Habeas Corpus 185.913/DF foi afetado ao Plenário para que o Supremo Tribunal Federal decidisse, em resumo, i) se o ANPP pode ser oferecido em processos já em curso quando do surgimento do Pacote Anticrime; ii) qual a natureza do instituto; iii) possibilidade de aplicação retroativa do instituto & iv) possibilidade de oferecimento do acordo sem que o imputado tenha confessado anteriormente durante a investigação ou o processo.
Naquele momento, o relator, ministro Gilmar Mendes, já pontuava a divergência entre as Turmas. Na oportunidade, Gilmar ressaltou que a afetação ao Plenário buscava assegurar a segurança jurídica a e previsibilidade das situações processuais.
Quase 3 anos depois, a realidade permanece a mesma: o destino de um investigado/acusado permanece sendo decidido pela sorte (ou azar) no momento do sorteio do habeas corpus ou do recurso.
O HC 185.913/DF já foi pautado 6 vezes, mas o julgamento nunca foi iniciado. Hoje, o writ, mais uma vez, se encontra fora da pauta de julgamento, inexistindo um indício mínimo de que essa realidade será alterada em um futuro breve.
A demora na realização do julgamento fez com que as duas Turmas do Supremo Tribunal Federal tomassem os seus próprios rumos, o que culminou em duas orientações dissonantes: a Segunda Turma passou a aplicar o acordo de não persecução penal de forma retroativa, enquanto a Primeira decidiu pela não retroatividade em casos em que a denúncia já foi recebida.
Vejamos, na prática (e em casos recentes), a posição dos órgãos fracionários do Supremo:
- Primeira Turma: “O entendimento que vem sendo reiteradamente adotado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal é de que “o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia” (ARE 1422233 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/06/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 28-06-2023 PUBLIC 29-06-2023).
- Segunda Turma: “A Segunda Turma desta Suprema Corte firmou o entendimento no sentido de que o art. 28-A retroage às ações que estavam em curso quando a Lei n. 13.964/2019 entrou em vigor, ainda que recebida a denúncia ou prolatada a sentença penal condenatória.” (HC 225581 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 25/04/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 28-04-2023 PUBLIC 02-05-2023).
Em 26.05.2023, o ministro Fachin admitiu embargos de divergência opostos pelo Ministério Público Federal. Na peça, o MPF pontuou a divergência de entendimento entre as Turmas no tocante ao momento processual em que o ANPP pode retroagir (ARE 1417056 AGR-EDV/SC).
O entendimento da Primeira Turma, bem verdade, já foi flexibilizado. Na PET 10.751, o ministro Roberto Barroso, sob a justificativa de “minimizar os prejuízos ao erário”, homologou um ANPP firmado entre o Ministério Público e o deputado federal Silas Câmara. No caso, a prescrição da ação penal – que apurava uma suposta “rachadinha” praticada pelo deputado – ocorreria no dia seguinte à decisão.
Hoje, no entanto, a busca pela segurança jurídica a e previsibilidade das situações processuais mencionadas pelo ministro Gilmar quando da afetação ao Plenário segue estagnada. Enquanto isso, advogados e jurisdicionados seguem dependendo da fé (ou da sorte).
Até quando?
Seguiremos aguardando…