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Hebert Freitas
Hebert Freitas é coordenador do Síntese Criminal e advogado pela Universidade Federal Fluminense. Siga no Twitter/X: @freitashebert_

Plea bargaining: o guia completo

Fizemos o guia completo para você entender, de uma vez por todas, como funciona o plea bargaining, que resolve a maioria dos casos criminais nos EUA

O plea bargaining é um mecanismo negocial criminal americano, onde um acusado aceita a assumir a culpa pelo crime que lhe é imputado, ganhando, como prêmio, uma pena menor.

Solidificando mais a bagagem daqueles que se interessam pelo tema “justiça penal negociada”, hoje fizemos um guia completo sobre o plea bargaining americano, com o propósito de entender melhor como funciona o instituto que inspira alguns mecanismos existentes no processo penal brasileiro.

Se você gosta do tema, precisamos lhe dizer que temos uma série de artigos sobre. Comece por aqui, aqui e aqui;

Hoje, você poderá verificar alguns elementos básicos do processo penal americano, entendendo o que é nolo contendere, guilty plea, grand jury, etc.

Vem com a gente!

Antes de entrarmos no mérito do sistema de justiça adotado nos EUA, faz-se importante evidenciarmos que o processo penal norte-americano, ao contrário do que alguns podem pensar, apresenta, em dado momento, uma fórmula e uma linha do tempo comum ao modelo que estamos acostumados no Brasil.

Comumente, o início de tudo se dá com a prisão do indivíduo pego delinquindo. A partir daí, o órgão acusador (prosecution) formaliza e oferece uma acusação (complaint), que deve, assim como o modelo brasileiro, por óbvio, conter os elementos que irão evidenciar a justa causa (probable cause). O destinatário é o magistrado. 

Aqui, talvez, surja a primeira diferença impactante entre o modelo norte-americano e o brasileiro. 

Após a apreciação do magistrado, será designada a primeira “audiência” (first appearance), onde o imputado comparecerá para tomar conhecimento das acusações que estão sendo feitas a ele.

É após esta cientificação que a figura do júri (grand jury) aparecerá pela primeira vez, pois os fatos alegados pela acusação serão submetidos aos jurados, que seão responsáveis por decidir se o indivíduo irá (ou não) a julgamento. 

Ao aceitar, o júri estará indiciando o suspeito de cometer o delito (indictment).

É a partir do indiciamento que as coisas ficam mais dramáticas, pois, após ele, o réu deverá comparecer a uma nova audiência, oportunidade esta onde ele precisará declarar se é culpado (guilty) ou inocente (not guilty). 

Logo em seguida a Corte agendará seu julgamento, que deverá acontecer o mais rápido possível.

Antes do julgamento, no entanto, pode haver a plea bargaining, que é uma negociação entre acusação e acusado (acompanhado de seu defensor), visando a confissão de culpa (guilty plea) ou o nolo contendere, que configura o ato do réu de não assumir a culpa, mas declarar que também não quer discutir sua inocência.

É preciso ressaltar que mais de 90% dos casos criminais estadunidenses não vão a julgamento, ficando patente, assim, a relevância que o plea bargaining tem nos EUA.

Importante destacar, também, que a guilty plea e o nolo contendere possuem o mesmo efeito criminal prático. 

Para ambos os casos será designada uma nova audiência, que servirá para o réu ser informado dos riscos e dos benefícios de sua decisão.

Além disso, como acontece no acordo de não persecução penal e na colaboração premiada, essa audiência servirá para o juiz verificar que o imputado foi coagido a aceitar tais condições e que tem a ciência de que não irá a julgamento. 

Nos dois casos a sentença será definida mediante acordo.
A diferença prática entre os dois institutos é que a confissão gerará efeitos no âmbito cível, enquanto tais efeitos não incidirão sobre o nolo contendere.

Para entender o que é o sistema que nos dispusemos a tratar aqui e a relevância dele no processo penal norte-americano, um ponto de partida interessante é a conclusão que a Suprema Corte dos EUA chegou em um caso julgado em 2012.

Na ocasião, o Tribunal ressaltou que o sistema de justiça criminal dos Estados Unidos da América é, na maior parte, um sistema de pleas, e não um sistema de trials, isso porque, como evidenciamos no tópico anterior, quase todos os casos criminais do país são resolvidos a partir do plea bargaining, fazendo com que os julgamentos sejam destinados a uma parte pequena dos processos.

Em tradução livre, declarou a Corte (caso Missouri v. Frye) que o plea bargaining não é uma parte acessória do sistema de justiça criminal americano; ele é o sistema de justiça.

O Supremo Tribunal Federal chegou a descrever o instituto, dizendo que ele consiste na regulação das acusações criminais por acordo.

Cabe destacar que o procedimento adotado no sistema de justiça negocial americano é feito intra partes, cabendo ao juiz (de modo semelhante ao procedimento da Delação Premiada no Brasil) homologar ou não acordo.

Quanto a este último ponto, outra não poderia ser a realidade, já que vige em solo americano o sistema adversarial, onde o juiz é mero espectador e fiscal dos direitos e garantias individuais, ficando a cargo das partes (leia-se acusação e defesa) a incumbência de reunir e manejar as provas.

O que precisa ficar bem entendido, aqui, é que o sistema de justiça americano é predominantemente pragmático, não sendo comum, por exemplo, que doutrinadores tratem somente dos casos concretos, restando pouquíssimo espaço para o teorizar o direito em si.

Inexiste no direito americano, também, o princípio obrigatoriedade da ação penal, diferentemente do Brasil.

É preciso desmistificar o processo penal americano, pois no Brasil ainda predomina uma certa aversão aos procedimentos adotados por lá. 

Em verdade, no plea bargaining ocorre uma espécie de segmentação do interesse punitivo, visto que os crimes mais robustos e com penas mais severas são tratados com diferença em relação àqueles mais leves.

Há, no processo penal norte americano uma preocupação singular com os crimes que geram mais impacto no meio social.

Bem verdade, no entanto, que algumas aberrações acabam sendo rotineiras. Não raro (assim como evidenciam os aclamados filmes hollywoodianos), pessoas inocentes acabam sendo obrigadas a aceitarem as condições propostas pelos promotores, pois sabem que podem vir a sofrer condenações muito maiores.

Um caso emblemático que nos ajuda a compreender melhor a seriedade desse tipo de situação é o ocorrido com John Dixon, que foi denunciado em 1990 por roubo e abuso sexual, recebeu uma pena de 45 anos de reclusão, e, decorridos 10, foi inocentado por um exame de DNA.

É importante deixar claro que há um posicionamento solidificado na Suprema Corte Americana no sentido de tentar mitigar o fardo probatório sustentado pela vítima (que necessitam, além de encontrar um caso igual, demonstrar a semelhança e o porquê da decisão dever ser igual para o seu caso).

Há na doutrina americana críticas severas à justiça penal negocial materializadas nos EUA, sendo a inconstitucionalidade do modelo a que possui maior coro no país.

Os que defendem tal crítica, a sustentam a partir de uma análise do Bill of Rights, que assegura ao cidadão norte-americano o direito de ser informado das acusações; o direito de não se autoincriminar; o direito a julgamento público e rápido; o direito de questionar as testemunhas da acusação; o direito a um júri imparcial; o direito a ser assistido por advogado, etc.

Além disso, é possível enumerar outros apontamentos realizados e que também servem como crítica, tais quais o risco de um inocente confessar um crime que não praticou; a disparidade de poderes na negociação dos acordos; a celebração dos termos longe da supervisão do público; o tratamento desigual entre réus (necessário lembrar que nos EUA os conflitos étnicos raciais ainda são muito fortes).

Os admiradores do sistema, no entanto (e por óbvio), declaram que ele ostenta vários aspectos positivos.

Como exemplo de aspectos positivos, é possível citar 3.

  1. A economia de recursos estatais;
  2. A concentração dos promotores em casos mais graves;
  3. A preservação da vítima, que deixa de ser obrigada a depor em juízo

Timothy Sandefur rechaça a tese de inconstitucionalidade do plea bargaining, já que, segundo ele, o direito a ser julgado por um Júri não é absoluto como o direito à vida e a liberdade, podendo o acusado, voluntariamente, estabelecer um desfecho para o seu caso por meio do contrato (acordo).

Um outro detalhe que joga a favor da barganha criminal é o fato de as penas acordadas serem substancialmente inferiores àquelas que seriam aplicadas pelo Juiz em eventual condenação no Júri.

Pode haver, claro, um change bargaining, onde a acusação concorda com a defesa e passa a sustentar uma acusação mais leve, ou um sentence bargaining, onde o acusado concorda com a pena proposta, mas o promotor entende que a reprimenda ideal deve ser mais leve.

Para aceitar a confissão de culpa, o acusado tem que estar plenamente ciente de que ele está prestes a ser sentenciado por um crime que confessou e que vários dos seus direitos e garantias serão afastados para que tal desfecho seja possível.

Sendo assim, deverá o Juiz com atribuição sobre aquele caso determinar uma audiência específica, onde o acusado deverá demonstrar que o aceite do acordo foi voluntário, além de aferir se de fato existem condições fáticas e legais para a “homologação” do acordo.

Primeiro, o magistrado se apresenta formalmente ao acusado, e começa a dizer que fará uma série de ponderações a fim de garantir que o acordo ali versado está sendo feito de maneira voluntária.

Em seguida, passa o juiz a verificar se o acusado ostenta condições plenas de consentir com o contrato as condições estabelecidas. Aqui, o imputado responde sua idade, o nível de fluência em inglês, a existência de vício em drogas e álcool, bem como a frequência de uso e o lapso temporal decorrido entre o último uso e o dia em que tais perguntas estão sendo realizadas em caso positivo.

Ato contínuo, é lido os termos da acusação, devendo o arguido demonstrar que concorda com todos os termos ali delineados.

Importante destacar, aqui, que o juiz precisa ser informado da existência qualquer plea agreement, sendo requerido ao promotor de justiça que diga para o imputado qual a pena a ser aplicada e todos os fatos que seriam utilizados para demonstrar sua culpa em um júri.

Já encaminhando para o fim, é questionado ao arguido se existe algum outro motivo que lhe force aceitar a culpa e se alguém naquele recinto conhece algum fato que possa implicar na não aceitação dos termos.

Por fim, o magistrado deve dar a palavra a qualquer vítima do crime em questão que esteja ali presente, dizendo se aceita ou não as condições do acordo.

Caso exista alguma discordância ou desistência do acusado, o julgamento será marcado, não podendo o plea guilty mal-sucedido ser usado contra ele.

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