Foi amplamente divulgado no último final de semana que o Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou correr ao visualizar uma viatura constitui fundamento válido para o ingresso não autorizado da polícia na residência do suspeito.
Tal afirmativa, no entanto, não parece encontrar respaldo nos votos proferidos pelos ministros, já que a tese proposta pelo ministro Alexandre de Moraes, primeiro a abrir divergência, não angariou maioria.
Há de se ter muito cuidado quando se afirma que uma Corte suprema fixou uma tese, já que o entendimento adotado para além do caso concreto, por óbvio, será aplicado a outros que contemplem dinâmicas semelhantes.
Luiz Guilherme Marinoni, na célebre obra “Julgamento nas Cortes Supremas”, ensina que “espera-se dos julgadores uma efetiva participação na discussão das questões que permeiam o raciocínio decisório do colegiado, uma vez que a decisão a ser tomada, mais do que resolver o caso, constituirá critério para o julgamento dos casos futuros, o que atribui uma outra dimensão de responsabilidade aos partícipes da Corte“.
O caso concreto
Em São Paulo, um homem foi preso e acusado pelo crime de tráfico de drogas. Segundo os autos, a polícia invadiu a residência do réu sem mandado e encontrou 247,9 gramas de maconha. Para os agentes responsáveis pela diligência, o acusado teria corrido para o interior de sua casa ao avistar a viatura, o que, na visão dos militares, justificaria a invasão.
A defesa, irresignada, postulou a nulidade das provas, mas o juiz de primeira instância, o tribunal a quo e o STJ rechaçaram a alegação. O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal e foi submetido ao Plenário pelo relator, ministro Edson Fachin.
O julgamento
O julgamento foi finalizado no dia 2.3.2024, e dos votos dos ministros é possível extrair ao menos “três vertentes”.
A primeira vertente
O julgamento começou com o voto do relator, ministro Edson Fachin, que considerou ilegal a entrada não autorizada da polícia na residência do acusado. Para o ministro, “considerar que a menção à fundamentação “correu e adentrou à residência ao avistar a viatura, apresentado atitude suspeita” possa validar o ingresso domiciliar é dar uma permeabilidade demasiada à exceção contida no art. 5°, XI, da CF, solução que parece não se conformar com os limites traçados pelo CPP e pelo texto constitucional”.
Essa ‘primeira vertente’ foi acompanhada pelos ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber (5 votos, portanto).
A segunda vertente
O ministro Alexandre de Moraes discordou e abriu divergência.
Para Moraes, a corrida do réu justificaria a violação de domicílio. No voto, ele propôs a tese de que correr ao avistar a viatura constitui fundadas razões para autorizar a violação de domicílio.
O ministro foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Nunes Marques (5 votos).
A terceira vertente
O ministro André Mendonça não acompanhou os entendimentos esposados pelos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes e inaugurou uma terceira vertente: a da impossibilidade de conhecimento do habeas corpus.
Para André, o Plenário não poderia analisar o habeas corpus. “A atuação originária desta Suprema Corte acarretaria supressão de instância e ampliação indevida da competência prevista no art. 102 da CRFB”, pontuou o ministro.
Ele também ressaltou que cassar o entendimento adotado pelas instâncias anteriores demandaria o reexame do acervo fático-probatório, “incabível na estreita via do habeas corpus”.
Mendonça, portanto, não chegou a entrar no mérito do caso.
Verifica-se, assim, que embora a ordem tenha sido denegada, não houve fixação de entendimento pelo Plenário, já que a tese proposta pelo ministro Alexandre de Moraes não alcançou maioria.
É possível que haja uma mudança até a publicação do acórdão? É possível. Mas os votos depositados até o final do julgamento não deixam dúvidas acerca da inexistência de maioria.
Referência: Habeas Corpus 169788.