Uma promotora de justiça se revoltou e saiu da sala de audiências após a advogada criminalista Ariane de Neves informar que seu cliente iria responder somente às perguntas da defesa. No vídeo publicado pela advogada nas redes sociais, é possível observar que a representante do Ministério Público se indigna com a estratégia da defesa e afirma que irá consignar as perguntas.
É importante lembrar que o direito ao chamado “silêncio parcial”, hoje, possui guarida na legislação e também na jurisprudência dos tribunais superiores. No STJ, por exemplo, há precedentes das duas Turmas de direito criminal.
A jurisprudência 📃
- No dia 05 de abril de 2022, a Sexta Turma do STJ, sob relatoria do desembargador convocado Olindo Menezes, assentou a possibilidade de o acusado responder a todas, nenhuma ou a apenas algumas perguntas;
- No caso, a Turma se debruçou sobre o ato ilegal cometido por um magistrado que encerrou o interrogatório após o réu informar que não iria responder às suas perguntas. Para o juiz, a falta de resposta às duas perguntas excluiria a possibilidade de outros esclarecimentos de qualquer das partes;
- Ao julgar o HC 703.978, a Sexta Turma consignou que “a letra da lei é clara ao dizer que serão formuladas perguntas, às quais o réu pode ou não responder. Significa que o interrogatório, como meio de defesa, permite a possibilidade de responder a todas, nenhuma ou a algumas perguntas direcionadas ao acusado, que tem direito de poder escolher a estratégia que melhor lhe aprouver”;
- “Não há nenhuma previsão legal que determine o encerramento do interrogatório sem possibilidade de indagações pela defesa após a declaração da opção do exercício do direito ao silêncio seletivo pelo acusado. Na verdade, o art.186 do CPP prevê que, depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas”, arrematou o Colegiado;
- No HC 646227, o ministro Antonio Saldanha Palheiro decidiu da mesma forma;
- Ministros da Quinta Turma também já se debruçaram a matéria. Podemos citar como exemplos o HC 628224, de relatoria do ministro Felix Fischer, e o HC 688748, de relatoria do ministro Joel Ilan Paciornik
Ato de consignar perguntas mesmo após o réu informar que somente responderá aos questionamentos da defesa configura nulidade e crime de abuso de autoridade🚫
- Em 2021, o tribunal do júri de um dos casos de maior repercussão do país foi anulado pelo Tribunal de Justiça de Rio Grande do Sul;
- Por quatro votos a três, os desembargadores do 1º Grupo Criminal do TJRS acolheram os embargos infrigentes de Leandro Boldrini para determinar que o réu fosse submetido a um novo julgamento;
- No voto vencedor, o relator pontuou que “a acusação, contando com a complacência da magistrada, não se limitou a formular perguntas, senão que, em dado momento (mormente depois de orientado o acusado a não as responder), se valeu da oportunidade da realização de questionamentos, contestando declarações anteriores prestadas pelo réu, fazendo alusão a dados informativos que, no seu entender, as contrariavam, afirmando que esse não falava a verdade”;
- Vale esclarecer, ainda, que após o advento da “Lei de Abuso de Autoridade”, comete crime a autoridade que prossegue com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio (vide artigo 15, par. único, I).