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Hebert Freitas
Hebert Freitas é coordenador do Síntese Criminal e advogado pela Universidade Federal Fluminense. Siga no Twitter/X: @freitashebert_

Resumo completo: STJ anula provas decorrentes de prints de Whatsapp e define parâmetros sobre cadeia de custódia de provas digitais

Foto: Rômulo Serpa/Agência CNJ.

Em decisão paradigmática, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a quebra da cadeia de custódia de provas colhidas a partir de prints de Whatsapp. No caso, policiais, em posse de um celular ligado e desbloqueado, espelharam as conversas através da ferramenta Whatsapp Web e printaram a tela.

Um resumo do caso concreto

No Rio Grande do Norte, drogas e celulares foram apreendidos na casa de um homem que, segundo denúncias anônimas, estava armazenando entorpecentes e petrechos comuns ao tráfico de drogas. Entre os bens arrecadados na diligência estava um iPhone de cor branca.

Em seguida, o GAECO (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), que já havia obtido uma ordem judicial que autorizava a quebra de sigilo dos dados telemáticos, solicitou a remessa dos aparelhos. Dos quatro celulares apreendidos, três (das marcas Samsung e Motorola) foram enviados.

Posteriormente, o delegado responsável pelo inquérito solicitou ao DENARC (Delegacia Especializada em Narcóticos) a realização de extração dos dados do iPhone, aparelho não enviado ao GAECO.

Finalizada a extração (realizada com a metodologia de print screen dos supostos diálogos), o relatório foi encaminhado ao GAECO, que denunciou o proprietário do aparelho e outros indivíduos pela prática do crime de organização criminosa, previsto na Lei 12.850/13.

A defesa impetrou habeas corpus suscitando a nulidade dos elementos colhidos, já que as informações supostamente extraídas do aparelho foram coletadas mediante print screen das conversas espelhadas através do aplicativo Whatsapp Web, técnica pouco confiável sob o ponto de vista epistemológico.

Na peça, os defensores pontuaram, por exemplo, que o aparelho celular manuseado pela polícia estava ligado e desbloqueado, o que demonstraria, além da falta de rigor técnico da perícia, que a polícia tinha acesso irrestrito às configurações e a todas as funcionalidades do aparelho.

Após a denegação pelo TJRN, um novo writ foi impetrado perante o STJ.

A importância da cadeia de custódia e o perigo das provas digitais

Ao analisar a tese de quebra de cadeia de custódia da prova, o ministro Joel Ilan Paciornik, da Quinta Turma, deu razão à defesa.

Inicialmente, Paciornik ressaltou a volatilidade dos dados telemáticos e sua maior suscetibilidade a alterações. Para o ministro, é imprescindível que se adote mecanismos capazes de assegurar a preservação dos vestígios probatórios, de forma que se torne possível constatar eventuais alterações dos elementos coletados.

“Pode-se dizer que as provas digitais, em razão de sua natureza facilmente – e imperceptivelmente – alterável, demandam ainda maior atenção e cuidado em sua custódia e tratamento, sob pena de ter seu grau de confiabilidade diminuído drasticamente ou até mesmo anulado”, advertiu o relator.

O ministro também pontuou que a prova, “enquanto meio de reconstrução histórica dos fatos objeto de apuração, deve ser capaz de revelar, com o máximo de precisão possível, os eventos tais como ocorreram”.

“Mostra-se indispensável que todas as fases do processo de obtenção das provas digitais sejam documentadas, cabendo à polícia, além da adequação de metodologias tecnológicas que garantam a integridade dos elementos extraídos, o devido registro das etapas da cadeia de custódia, de modo que sejam asseguradas a autenticidade e a integralidade dos dados”, continuou Joel.

As diretrizes sobre o tratamento de evidências digitais

No voto, o ministro ressaltou a importância das diretrizes fixadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas na NBR ISO/IEC 27037:2013, que fixa diretrizes acerca do manuseio inicial de evidências digitais.

“O referido documento técnico, embora não dotado de força obrigatória de lei, constitui relevante guia a ser observado pelos atores da persecução penal, a fim de assegurar, tanto quanto possível, a autenticidade da prova digital”, ressaltou.

Segundo a referida norma, é recomendável que o indivíduo responsável pela aquisição e tratamento do material da investigação descreva, desde o início todo o processo de movimento e manipulação da potencial evidência digital. As seguintes informações seriam importantes para o registro:

  • Informações sobre o identificador único da evidência;
  • Quem acessou a evidência, em que tempo e em que local;
  • Quem checou a evidência interna e externamente nas instalações de preservação da evidência;
  • O propósito de verificação da evidência
  • A existência de alterações inevitáveis da evidência, bem como nome da pessoa responsável e a justificativa para a alteração

“A documentação de cada etapa da cadeia de custódia é fundamental, a fim de que o procedimento seja auditável”, pontuou o relator.

Os quatro aspectos essenciais das evidências digitais

Naquela que talvez seja a principal parte do voto, o ministro Joel invoca quatro aspectos essenciais das evidências digitais:

1) Auditabilidade (possibilidade das partes aferirem se o método técnico- científico para a extração dos dados foi observado)

2) Repetibilidade (necessidade de que a sequência de etapas redunde sempre nos mesmos resultados)

3) Reprodutibilidade (necessidade de os resultados serem os mesmos, independente do método utilizado

4) Justificabilidade (necessidade de os procedimentos serem justificáveis)

E advertiu: a ausência de quaisquer destes aspectos “redunda em um elemento epistemologicamente frágil e deficiente, e, portanto, de valor probatório reduzido ou nulo”.

Paciornik também pontuou que “além da técnica do algoritmo hash, também deve ser utilizado um software confiável, auditável e amplamente certificado, que possibilite o acesso, a interpretação e a extração dos dados do arquivo digitais”.

Conclusão sobre o caso concreto

Ao ponderar sobre o caso concreto, o ministro ressaltou trecho da sentença condenatória em que o juízo observa que o referido aparelho celular não foi submetido a extração via Cellebrite. Joel asseverou que não ser possível “inferir a idoneidade das provas extraídas pelo acesso direto ao celular apreendido, sem a utilização de ferramenta forense que garantisse a exatidão das evidências, não havendo registros de que os elementos inicialmente coletados são idênticos ao que corroboraram a condenação”.

Assim, a ordem foi concedida à unanimidade para declarar inadmissíveis as provas decorrentes da extração de dados do celular do paciente.

Referência: AgRg no Habeas Corpus 828.054.

Clique aqui para baixar o acórdão na íntegra.

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