Réu não pode ser punido com pena maior por mentir em interrogatório e imputar a terceiro o crime pelo qual foi acusado, decide STJ

Para a Turma, a mentira não pode agravar a pena do réu, apesar de inexistir no Brasil um "direito de mentir"
Reprodução/STJ.

Ainda que o falseamento da verdade possa justificar a responsabilização por crime autônomo, isso não significa que a mentira contada no interrogatório autorize a exasperação da pena base.

Foi o que decidiu a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reconhecer a ilegalidade do argumento utilizado para majorar a pena de um homem condenado pelo crime de tráfico de drogas no Rio Grande do Sul.

POR QUE O CASO CHEGOU AO STJ: na hipótese, a Sexta Turma do STJ apreciou o caso de um homem condenado pelo delito de tráfico de drogas que teve a pena majorada por mentir.

  • Segundo o juízo de primeira instância, a culpabilidade excedeu a normalidade, visto que o réu afirmou que seu vizinho teria “plantado” as armas e as drogas que foram apreendidas em sua residência.

  • O magistrado sentenciante ponderou que o réu demonstrou total despreocupação com as consequências que sua mentira poderia ter gerado na vida do vizinho.

🤥O RÉU TEM O DIREITO DE MENTIR? No voto que conduziu o julgamento, o ministro Rogério Schietti, relator, pontuou não existir no direito brasileiro um “direito de mentir”.

  • “Não me parece adequado admitir que haja, propriamente, um “direito de mentir”, pontuou o ministro.

  • “O que existe é uma tolerância jurídica – não absoluta – em relação ao falseamento da verdade pelo réu, sobretudo em virtude da ausência de criminalização do perjúrio no Brasil”, advertiu.

🕵️‍♂️A MENTIRA, EM ALGUMAS HIPÓTESES, É CRIMINALIZADA: o relator também observou que a própria lei brasileira criminaliza a mentira ou outras formas de encobrir a verdade. Ele citou como exemplo os seguintes delitos:

  • Autoacusação falsa (artigo 341 do Código Penal);

  • Falsa identidade, ainda que praticado em nome da autodefesa – hipótese em que o indivíduo finge ser outra pessoa para escapar de uma blitz policial, por exemplo (artigo 307 do Código Penal e Súmula 522 do STJ);

  • Fraude processual (artigo 347, parágrafo único do CP);

  • Coação de testemunhas (artigo 344 do CP).

🗣️TESTEMUNHOS BASTAM PARA RESPONSABILIZAR O RÉU? No caso, o testemunho do vizinho negando os fatos foi utilizado para “comprovar” que o réu mentiu.

  • Sobre esse ponto, Schietti esclareceu que uma versão contrária à tese do réu não é capaz de responsabilizá-lo, sob pena, por exemplo, de fazer com que pessoas se sentissem ainda mais intimidadas no momento de relatar um abuso policial sofrido no momento da prisão.

  • “No cenário atual, em que a veracidade da palavra dos policiais ainda é vista como dogma praticamente inquestionável por muitos tribunais, alegar a ocorrência de abuso seria demasiadamente arriscado para o preso, o que implicaria o aumento das já elevadas cifras ocultas da tortura praticada por agentes estatais”, ponderou.

MENTIR NO INTERROGATÓRIO NÃO DIZ RESPEITO À CULPABILIDADE: por fim, o relator advertiu que atribuir falsamente crime a terceiro no interrogatório não diz respeito à culpabilidade, tendo em vista que essa circunstância se relaciona ao grau de reprovabilidade pessoal da conduta, não podendo sofrer influência de um fato posterior.

  • “Com efeito, o exame da sanção penal cabível deve ser realizado, em regra, com base somente em elementos existentes até o momento da prática do crime imputado, ressalvados, naturalmente: a) o exame das consequências do delito, que, embora posteriores, representam mero desdobramento causal direto dele, e não novas e futuras condutas do acusado retroativamente valoradas; b) o superveniente trânsito em julgado de condenação por fato praticado no passado, uma vez que representa a mera declaração jurídica da existência de evento pretérito”, arrematou o relator.

Número: Habeas Corpus 834.126/RS.

Clique aqui para acessar o acórdão na íntegra.

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