Noticiamos há algum tempo que a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, havia começado um movimento individual de derrubada de cada uma das decisões do STJ sobre violação de domicílio que aportavam em seu gabinete.
Agora, o ministro Alexandre de Moraes, conhecido pelo rigor extremo em matérias afetas a direitos e garantias individuais, começou a fazer o mesmo.
Segundo a nova tese criada por Moraes, a jurisprudência do STJ sobre violação de domicílio, verdadeiro avanço democrático preconizado pelo ministro Rogério Schietti no STJ, usurpou do poder do legislador constituinte criando, segundo ele, requisitos não previstos pela Constituição Federal.
Além de ter liberado uma série de processos em que dá provimento a recursos do Ministério Público para anular acórdãos do STJ, o ministro também fez um movimento recente que indica que um embate sobre o tema realmente está próximo: na última terça (5), ele devolveu os autos do Habeas Corpus 169.788, afetado ao Plenário pelo ministro Edson Fachin, para julgamento.
O Habeas Corpus, que trata de um caso de ingresso não autorizado da polícia na residência de um homem, foi submetido pelo relator ao Plenário justamente para que o Supremo se posicione sobre a questão. O julgamento, que havia sido paralisado por um pedido de vista de Moraes será retomado a partir do dia 15.9.
Os recursos ministeriais providos pelo ministro Alexandre de Moraes validam, por exemplo, ingressos da polícia fundados apenas em denúncia anônima e em supostos convites que pessoas que possuíam drogas nas residências teriam feito aos agentes estatais.
Separamos para você 8 exemplos:
- RE 1447045 / SP -> Policiais encontraram drogas em busca domiciliar e homem os “convidou” para irem à chácara onde mais drogas estavam escondidas;
- RE 1447047 / SC -> Policiais receberam denúncia anônima e teriam visto réu correndo para a casa;
- RE 1447289 / RS -> Policiais receberam denúncia anônima e teriam visto réu correndo para a casa;
- RE 1447374 / MS -> Policiais invadiram apenas com base em denúncia anônima;
- ARE 1451788 / GO – > Policiais encontraram drogas durante busca pessoal e o réu teria os convidado para entrar na casa;
- RE 1447031 / SC -> Denúncia anônima e fuga ao avistar a polícia;
- RE 1454036 / RS -> Réu teria entrado em residência após perseguição, tendo a proprietária franqueado a entrada dos policiais. Em juízo, ela, que era a única testemunha da acusação, desmentiu;
- RE 1342077 / SP -> Réu, que possuía drogas em casa, teria convidado os policiais para uma revista no local.
O leitor que é leigo pode estar se perguntando: se drogas foram encontradas, o ingresso do Estado não deveria ser validado?
A resposta, claro, é não. Citaremos dois motivos.
O primeiro motivo é de ordem técnica: a Constituição excepciona a necessidade de mandado de busca e apreensão (que é regra no Brasil) quando há flagrante, e não para verificar se há.
Isso é muito bem explicado pelo ministro Gilmar Mendes no HC 230.219/GO. Naquela assentada, afirmou o ministro que “a Constituição Federal relativiza o direito à inviolabilidade e permite o ingresso em domicílio sem consentimento de seu morador e sem autorização judicial, em caso de flagrante delito, mas não para investigar se há flagrante delito”.
A verificação da justa causa deve ser feita antes da violação, e não depois. Uma ilegalidade jamais pode ser convalidada apenas porque alcançou determinado fim. Os fins não podem justificar os meios, sobretudo em casos de tráfico de drogas, que não envolvem, em regra, risco à vida ou à liberdade de vítimas.
O segundo é de ordem social, já que os casos que chegam à apreciação do Judiciário, em regra, são aqueles em que a polícia logra êxito em encontrar o material ilícito buscado.
Isso, no entanto, esconde o outro lado: o das entradas não autorizadas em residências que não terminam em apreensões. É por isso que o Estado precisa de fundamentos sólidos para mitigar direitos e garantias fundamentais. Ninguém pode ter seus direitos violados sem uma justificativa minimamente embasada.
O GAECO, por exemplo, não pode quebrar o sigilo telemático, fiscal e bancário de policiais com base em denúncia anônima e sob o argumento de que o Brasil sofre com uma escalada de crimes de corrupção cometidos por agentes de segurança.
Da mesma forma, a residência de uma pessoa não pode ser invadida porque um vizinho, de forma anônima e em razão de uma discussão prévia, por exemplo, queria se vingar.
Acreditar que a Constituição Federal exigiu o dever de fundamentação do juiz que expede o mandado de busca e apreensão, mas não do policial, que muitas vezes não é sequer formado em direito e não deve ter esse peso sob as costas (principalmente por não gozar de diversos benefícios restritos ao Judiciário) é, por óbvio, inverter a ordem lógica das coisas.