
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) despronunciou um acusado por homicídio duplamente qualificado após apontar a fragilidade dos testemunhos indiretos utilizados para embasar a decisão de pronúncia.
A decisão, relatada pelo Ministro Rogerio Schietti Cruz, destacou que “uma testemunha que não presenciou o que está declarando deve indicar os meios pelos quais tomou conhecimento do que afirma, a fim de que a defesa possa refutar o relato e conferir sua credibilidade e fidedignidade”.
🤔 O que aconteceu
O acusado estava preso preventivamente e pronunciado pela suposta prática de dois crimes contra a vida: um homicídio duplamente qualificado consumado e outro duplamente qualificado tentado. Segundo a denúncia, em novembro de 2017, o acusado teria saído de um veículo conduzido por corréu e efetuado disparos de arma de fogo contra a vítima, que estava em via pública. Na mesma ocasião, teriam tentado matar um motorista de aplicativo que se encontrava no local.
- A acusação se baseou fundamentalmente no depoimento da mãe da vítima, que relatou ter ouvido de terceiros a identificação dos autores do crime.
- Conforme registrado nos autos, a testemunha declarou: “já começou todo mundo vir com foto no celular dizendo que foi o paciente que tinha atirado no meu filho”. Quando questionada se havia presenciado os fatos, a mãe da vítima foi categórica: “Eu não vi, eu ouvi”. A testemunha ainda informou que “tinha muita gente, mas as pessoas se negam, não querem ajudar, não querem testemunhar”.
- Uma policial civil ouvida em juízo confirmou que a mãe da vítima “veio até nós de espontânea vontade e nos deu a autoria do fato”, mas reconheceu que, apesar de muitas pessoas terem presenciado o crime, “a gente mostrava a fotografia dos acusados, as pessoas reconheciam, mas não formalizavam”. Os investigadores não conseguiram identificar “as pessoas que teriam dito para ela” sobre a autoria dos crimes.
👨⚖️ O que o tribunal decidiu
O Ministro Rogerio Schietti Cruz foi enfático ao destacar que os depoimentos baseados apenas em “ouvir dizer” são insuficientes para sustentar uma pronúncia. “Os depoimentos indiretos e de ouvir dizer geralmente são insuficientes para fundamentar a pronúncia, quando não atendem ao princípio da refutabilidade ou da falseabilidade”, consignou o relator na ementa da decisão.
- O magistrado explicou que a questão central reside na impossibilidade de a defesa confrontar a origem das informações. “A principal razão por trás da afirmação feita nos julgados que trataram de pronúncia com fundamento em testemunho de ouvir dizer dizem respeito a relatos que não podem ser minimamente confirmados e à incapacidade da parte indicar o autor da informação, o que suprime da defesa a oportunidade de confrontar a origem do boato”, pontuou Schietti.
- O relator foi categórico ao estabelecer que “rumores ou notícias inqualificadas não são suficientes para a responsabilização criminal”. Destacou ainda que existe “o risco do erro de percepção de pessoas leigas sobre a confiabilidade e o valor probatório de um boato que não é passível de confirmação”, especialmente no contexto do julgamento pelo Júri.
- A decisão também abordou o standard probatório exigido para a pronúncia, esclarecendo que “o standard probatório relativo à pronúncia é mais alto que o de uma decisão qualquer (exceto condenação de mérito)”. O ministro enfatizou que “a pronúncia, exigindo um padrão de prova mais elevado, dado que requer cognição mais aprofundada, não pode se contentar unicamente com elementos probatórios que não foram submetidos ao contraditório”.
Quanto à prisão preventiva, o tribunal reconheceu que “o indício razoável de autoria do crime é pressuposto para a decretação da prisão preventiva e também não está delimitado na decisão de primeiro grau”. Como os fundamentos que sustentavam a prisão eram os mesmos que embasavam a pronúncia, ambas as decisões foram reformadas.
HC 826.460