O caput do artigo 28-A, do Código de Processo Penal, prevê que o Ministério Público poderá propor o acordo de não persecução penal se o investigado confessar formal e circunstancialmente a prática de infração penal praticada sem violência ou grave ameaça.
Sobre a polêmica confissão, já fizemos um artigo completíssimo que você pode ler ao clicar aqui.
O que trataremos aqui, hoje, é do conceito de violência adotado pelo legislador, tendo em vista a diferença considerável existente entre um ato violento e uma violência gerada por um ato.
Explicamos.
Imagine as seguintes situações:
- A, com a intenção de causar um injusto grave a B, desfere contra este vários golpes com uma barra de metal, causando lesões gravíssimas.
- C, por imprudência na direção de um veículo automotor, atropela D, que vem a sofrer lesões gravíssimas.
Note que a violência está presente nas duas situações, mas só foi intencional (dolosa) na primeira, onde A desejava causar um mal a B, vindo a obter êxito em satisfazer sua vontade a partir dos seguidos golpes de barra de metal.
Assim, surge uma indagação importante: será que o indivíduo C (da segunda situação) estaria impedido ou não de celebrar um acordo de não persecução penal de acordo com a previsão constante do caput do artigo 28-A?
É o que vamos, de maneira breve, tentar responder aqui.
A VIOLÊNCIA NO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
NOS CRIMES CULPOSOS
Parece não haver muita discordância no sentido de ser, sim, possível, o oferecimento do acordo de não persecução nos crimes culposos com resultado violento.
Segundo Renato Brasileiro, a violência ou grave ameaça aí citada necessariamente deverá ter sido praticada a título doloso, daí po que há de se admitir a celebração do acordo na hipótese de eventual crime culposo com resultado violento (lesão corporal culposa).
Assim, a violência que obsta o oferecimento do acordo de não persecução deveria ser aquela praticada a título de dolo, estando presente, portanto, na conduta, e não no resultado.
A posição é endossada por Rogério Sanches, que apregoa: “para nós, a violência que impede o ajuste é aquela presente na conduta, e não no resultado. Logo, homicídio culposo, por exemplo, admite o ANPP”.
É essa, inclusive, a posição do próprio Ministério Público, senão vejamos:
ENUNCIADO 74 DO CAO-CRIM “É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, pois, nesses delitos, a violência não está na conduta, mas no resultado não querido ou não aceito pelo agente, incumbindo ao órgão de execução analisar as particularidades do caso concreto”. ENUNCIADO 23 DO CNPG E DO GNCCRIM “É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, uma vez que nos delitos desta natureza a conduta consiste na violação de um dever de cuidado objetivo por negligência, imperícia ou imprudência, cujo resultado é involuntário, não desejado e nem aceito pela agente, apesar de previsível.” Sendo assim, por ora, a violência nos crimes culposos não é considerada para fins de óbice ao oferecimento do ANPP.
Sendo assim, por ora, a violência nos crimes culposos não é considerada para fins de óbice ao oferecimento do ANPP.
NOS CRIMES PRATICADOS COM VIOLÊNCIA IMPRÓPRIA
A violência imprópria, em resumo, é aquela onde não há o emprego da violência tradicional (física), mas sim de um mecanismo capaz de reduzir o poder de reação da vítima, como é o caso do “boa noite cinderela”.
Aqui, a situação é diferente daquela relacionada ao crime culposo, pois a violência, ainda que imprópria, é praticada a título de dolo, sendo, portanto, incabível o acordo de não persecução penal.
NOS CRIMES PRETERDOLOSOS
O crime preterdoloso, na conceituação “popular”, é aquele onde há dolo no início da ação voluntária e culpa no resultado.
O exemplo perfeito para o crime preterdoloso é a lesão corporal qualificada pelo resultado morte, onde um indivíduo causa uma lesão intencional em outra e, sem querer, acaba causando sua morte
Aqui, em tese, o acordo de não persecução penal também não poderá ser oferecido, pois ainda que o resultado do crime não tenha sido pretendido pelo agente, a lesão na lesão antecedente existiu uma “violência dolosa”.
Para Mauro Messias, a situação é diferente no abandono de incapaz qualificado pelo resultado morte, onde a violência reside exclusivamente no resultado culposo. Aqui, seria possível o oferecimento do ANPP.
Assim, temos que a violência ou a grave ameaça impedirá o oferecimento do acordo de não persecução, mas isso deve ser visto com cuidado.