O ministro Reynaldo Soares da Fonseca concedeu, com superação da Súmula 691, um habeas corpus para revogar a prisão preventiva de um homem condenado pelo tribunal do júri na Paraíba. No caso, o magistrado de primeira instância decretou a cautelar máxima sob o argumento de que o fato de o acusado – que respondeu ao processo solto – não comparecer ao Plenário revelaria um suposto “descaso” com o Poder Judiciário, justificando a medida.
A superação da Súmula 691
O habeas corpus foi impetrado no STJ contra decisão de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, que indeferiu o pedido liminar feito pela defesa no writ lá impetrado.
Ao analisar a impetração, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator, pontuou que a jurisprudência do STJ, conforme a Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, aplicada por analogia, se assentou no sentido de que não cabe habeas corpus contra decisão que indefere liminar na origem.
O ministro, não obstante, pontuou que no caso analisado estava configurada ilegalidade que autorizaria o exame da matéria, sendo possível, assim, a superação do entendimento da mencionada Súmula, com a consequente concessão da ordem – antes mesmo da oitiva do Ministério Público Federal.
Para dispensar a oitiva do MPF, o relator lançou mão do precedente da Quinta Turma no sentido de que para conferir maior celeridade aos ‘habeas corpus’ e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do ‘writ’ antes da ouvida do ‘Parquet’ em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
A ilegalidade da prisão decretada com base na ausência do réu em plenário
Ao analisar o mérito, Reynaldo, de pronto, pontuou que a primeira leitura do feito já revelaria a ilegitimidade do cárcere.
O ministro observou que o paciente, que respondia em liberdade o processo por homicídio, teve a prisão preventiva decretada após a condenação pelo Tribunal do Júri ao exclusivo fundamento de que o não comparecimento pessoal à sessão teria revelado “descaso” com o Poder Judiciário, justificando a prisão preventiva com vistas a assegurar a aplicação da lei penal.
Assim pontuou o juízo de primeiro grau:
Considerando que o réu se encontra em liberdade, mas, apesar de devidamente intimado deixou de comparecer para seu julgamento, mesmo tendo a seu pedido este júri foi adiado por duas vezes, demonstrando descaso para com a justiça e em respeito a decisão soberana da sociedade, DECRETO sua prisão preventiva como garantia da efetiva aplicação da lei para que encarcerado acompanhe os demais atos processuais. Mando que se expeça o competente mandado de prisão para sua captura e uma vez cumprido, até o trânsito em julgado deverá ser conduzido para a Penitenciaria Padrão nesta comarca, com as recomendações de estilo, sendo informado os termos da presente decisão.
Ao analisar o mérito, o ministro, inicialmente, observou que o entendimento do magistrado de que o comparecimento do réu solto seria estritamente necessário, e que sua ausência ameaçaria a aplicação da lei penal configurou flagrante desacato à redação do artigo 457 do Código de Processo Penal, que prevê que o julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado.
Ele asseverou que a Quinta Turma do STJ, em caso análogo em que o paciente optou por nao se fazer presente na sessão do tribunal do júri, reconheceu a ilegitimidade da preventiva decretada na hipótese para dirimir questão relativa à sua identidade.
Veja um trecho da ementa do mencionado precedente:
A ausência do acusado na sessão de julgamento perante o Tribunal do Júri não justifica, por si só, a decretação da prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal, sobretudo, quando não há registro de que tenha se furtado aos atos processuais anteriores.
Ademais, o art. 457 do Código de Processo Penal autoriza a realização da sessão de julgamento sem a presença do réu. Assim, é prescindível a presença do paciente para julgamento pelo Tribunal do Júri.
Recurso ordinário em habeas corpus provido para revogar a prisão preventiva do recorrente.
(RHC n. 100.716/MG, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 13/11/2018, DJe de 22/11/2018.)
O ministro também anotou um caso semelhante analisado pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. Na oportunidade, Fux decidiu que a ausência do acusado – preso ou solto – seria exercício regular de direito que, portanto, não sinalizaria risco à ordem pública, salvo quando acompanhado de fato novo e significativo, como tentativa de fuga. A seguir, a ementa:
PENAL. HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DO PACIENTE NA SESSÃO DE JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PARA GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. INIDONEIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO. ARTIGO 457 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO SEM A PRESENÇA DO ACUSADO. CONCESSÃO DA ORDEM. (HC 131152, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 01/02/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 04/02/2016 PUBLIC 05/02/2016).
Assim, concluiu o ministro da Quinta Turma do STJ que o juízo de primeiro grau se divorciou da orientação constante em incontáveis precedentes da Corte, para os quais a prisão cautelar é invariavelmente excepcional, subordinando-se à demonstração de sua criteriosa imprescindibilidade, à luz dos fatos concretos da causa.
O acréscimo de informações pelo magistrado de primeira instância
Reynaldo fez questão de rechaçar, ainda, manobra realizada pelo juízo de primeira instância, que aduziu fundamento novo, que não integrou o decreto de prisão preventiva, na prestação de informações via ofício à segunda instância, para subsidiar o exame do habeas corpus. Na oportunidade, o magistrado fez menção à aplicação do art 492, I, “e”, do CPP, que prevê a hipótese de execução imediata de condenações à penas superiores a 15 anos impostas pelo júri.
“(…) Essa comunicação entre órgãos do Poder Judiciário evidentemente não é âmbito processual para a adição de fundamentos ausentes do decreto prisional, tendentes a legitimar o cárcere”, registrou o ministro.
“Dessa maneira, a execução automática da pena igual ou superior a quinze anos de reclusão, quando imposta pelo júri, não poderia ter sido assim agregada, fora de tempo e modo, sendo certo que, no mérito, também não se trata de fundamentação admitida pela jurisprudência desta Corte”, arrematou.
Assim, a ordem foi concedida de ofício, com superação da Súmula 691, para reconhecer a ilegitimidade da prisão cautelar decretada em desfavor do paciente.
Número da decisão: HC 775.030/PB